Clímax #20: Crianças, corais, camada de ozônio e Japão
Olá,
Como vocês estão?
A pausa que dei na semana passada se mostrou uma decisão acertada, volto hoje com bem mais energia e conteúdo. Espero que vocês também tenham ficado mais felizes de ver o Clímax na sua caixa de entrada desta vez.
Ter consciência sobre a crise climática costuma trazer consigo uma grande dose de culpa - voltarei a esse assunto mais pra frente - e a crise do novo coronavírus não está sendo muito diferente. Pelo menos para mim. Por mais que nos digam que fazer a coisa certa é fácil, é só ficar em casa, e eu esteja seguindo a recomendação a risca há semanas, nunca parece o bastante. Dois textos que li recentemente me ajudaram de alguma forma, This is All my fault de Jess Zimmerman, e I’m an advice columnist, and I don’t know how I can help right now da Eve Andrews, deixo os links aqui como sugestão de leitura para quem mais precisar.
Como já comentei em outras edições, tenho visto bem menos notícias sobre a crise climática na mídia. Um dos motivos é o foco dos jornalistas e do público em notícias sobre o coronavírus que faz com que matérias sobre outros assuntos não ganhem a audiência que ganhariam em outros períodos e sejam assim adiadas. Mas não é só isso, histórias sobre a crise são muitas vezes baseadas em novos estudos e descobertas científicas, e essas pesquisas estão paradas, o que deve afetar notícias futuras também. Grandes expedições para o Ártico, a Groenlândia e a Antártida tiveram que ser canceladas; laboratórios foram trancados para evitar a contaminação evitando também que os pesquisadores pudessem finalizar suas pesquisas, por vezes perdendo amostras valiosas que se deterioram com o tempo; e aqui no Brasil uma nova portaria da Capes provocará ainda mais cortes de bolsas de pós-graduação nas universidades do país.
Mas o mundo não parou, acho que temos uma boa compilação de notícias e discussões que apareceram nas últimas semanas.
Para quem chegou agora e esperava ler mais sobre o coronavírus, no Clímax #17 falei sobre as conexões mais científicas entre a crise climática e o vírus, e no Clímax #19 falei sobre as questões e as oportunidades que emergem da pandemia.
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Climão da semana
Grande Barreira de Corais sofre terceiro branqueamento em 5 anos. O maior conjunto de recifes do mundo, na Austrália, foi novamente afetado pelo branqueamento, efeito que ocorre quando a água ao seu redor fica com temperaturas excepcionalmente altas por um período longo. Se o branqueamento é leve, existe recuperação, mas se o aquecimento da água é prolongado e muito alto, os corais morrem. No branqueamento que ocorreu entre 2016 e 2017, metade dos corais morreram. Ao observar a extensão do problema atual, um pesquisador descreveu a sensação como “a de um amante das artes passeando pelo Louvre enquanto ele queima”. O mais preocupante é que, embora o risco para os corais seja muito maior em anos de efeito El Niño, o branqueamento atual ocorreu em um ano neutro (sem o efeito), o que preocupou cientistas que acreditam ser possível termos ultrapassado um tipping-point que significará uma ocorrência de branqueamentos quase anuais em múltiplas localidades.
Mas também há boas notícias para os oceanos. Uma análise científica recém publicada na revista Nature afirma que a reconstrução da vida marinha é alcançável no espaço de uma geração. Os cientistas explicam que todo o conhecimento e técnicas necessários para recuperar a fauna do oceano até 2050 já existe, custaria bilhões de dólares por ano mas traria dez vezes mais benefícios. Eles acrescentam que para alcançarmos o objetivo será essencial também enfrentar a crise climática. A análise cita exemplos da retomada de espécies à seus habitats pelo mundo após certas medidas serem tomadas, apontando para o seu sucesso, como o aumento do número de tartarugas no Japão, de baleias na Austrália, de elefantes marinhos nos EUA. Os autores parecem otimistas e concluíram ainda que a pesca global já está se tornando mais sustentável e que a destruição de certos habitats como o das ervas marinhas e dos manguezais está praticamente estagnadas. Para completar, nesta semana o arquipélago de Seychelles anunciou que aumentará a sua área de proteção marinha em 400.000 km2, o tamanho de duas Grã Bretanhas.
Também temos boas e más notícias sobre a camada de ozônio. Uma nova pesquisa confirmou a hipótese de que a diminuição do buraco na camada de ozônio, alcançada através do Protocolo de Montreal, faria com que as correntes de ar do Hemisfério Sul parassem de se deslocar em direção ao pólo. Esse deslocamento havia sido vinculado à mudanças na precipitação na América do Sul, África e Austrália, mas, de acordo com os pesquisadores, está agora em pausa podendo retornar, estacionar ou mesmo regredir. O fato é visto como um exemplo de como o sistema climático pode ser alterado à partir de tratados internacionais.
Por outro lado, ou melhor, no outro lado do planeta, no Hemisfério Norte, um novo buraco parece estar se abrindo sobre o Ártico devido - em parte - à mudanças no clima local no último ano.
As “novas” metas climáticas do Japão. No Acordo de Paris foi definido que 2020 seria o ano em que os países atualizariam suas metas de redução de emissões, com novas metas mais ambiciosas. Na segunda-feira o Japão - o quinto maior emissor do mundo - anunciou o seu novo plano que, veja só, mantém a mesma meta de 5 nos atrás, um corte em emissões de 26% em relação aos níveis de 2013. Isso é importante por que o país é a primeira grande economia (e grande emissor) a apresentar seu plano e pode servir de mau exemplo para os próximos. Há medo que a pandemia do coronavírus também seja usado como justificativa - ou desculpa - para compromissos mais leves. A Noruega, primeiro país desenvolvido a entregar seu plano ainda em fevereiro, se comprometeu à um corte de 50-55% um aumento em relação a meta anterior de 30-40% que não foi cumprida. A maioria dos outros países não deu nem sinal de quando apresentará suas versões, e com a COP26 sendo oficialmente adiada para 2021 é possível que isso leve ainda mais tempo.
Desastres climáticos aumentam riscos de conflitos armados concluiu um estudo do Potsdam Institute for Climate Impact Research divulgado ontem. Na última década quase um terço dos confrontos violentos em países vulneráveis foram precedidos de desastres climáticos nos 7 dias anteriores, como secas e enchentes. A Índia foi o país com o maior número de casos desse tipo, mas também são citados exemplos na China, Mali, Filipinas, Nigéria e Turquia.
The kids are not alright
No começo do ano eu escrevi sobre a possibilidade da maternidade em tempos de caos climático. Muitos de vocês descobriram o Clímax por causa desse texto. Nele eu comentei que uma das minhas maiores preocupações eram os efeitos psicológicos da crise climática nas novas gerações. Na última edição da revista Rolling Stones americana, com Greta Thunberg na capa e foco no tema do clima, a matéria Children of the Crisis fala justamente desse assunto, entrevistando várias crianças e especialistas no assunto.
Se nós achamos que as tempestades lá fora são fortes, espere até vermos nossas tempestades internas.
Lise Van Susteren, psiquiatra que foi testemunha especialista na ação Juliana v. United States, na qual 21 crianças e adolescentes processaram o país por violação de seus direitos.
Nos nossos livros de história não faltam períodos de ameaças capazes de traumatizar qualquer um, principalmente os mais novos. Guerras, epidemias, desastres, ameaça nuclear, crianças sempre estiveram expostas física e psicologicamente aos males do mundo.
Mas uma coisa é ter medo, outra coisa é ter medo e culpa.
Quando se trata da crise climática, existe um fator muito grande de culpa que talvez não existisse em ameaças anteriores. Em uma guerra existe um inimigo, podemos culpá-lo. Mesmo em casos de pandemias como vivemos hoje, a culpa pode ser do vírus ou do governo que não agiu cedo o bastante, mas a não ser que você tenha saído pela rua propositalmente tossindo na cara de todo mundo, é difícil sentir que suas ações diárias influenciam o que está acontecendo. Já com a crise climática isso fica bem fácil. Especialmente para uma criança que recém está entendo o seu papel no mundo. É muito assustador pensar que a cada coisa que você come, cada lâmpada que você acende, cada vez que você se locomove, você pode estar contribuindo para a destruição do seu próprio futuro, mas é exatamente assim que parece para eles.
Caroline Hickman, psicoterapeuta com foco em eco-ansiedade em crianças
A infância é um período de sonhos. Nos espelhamos nos nossos pais e outros adultos ao nosso redor e brincamos de boneca imaginando filhos futuros, dizemos que seremos bombeiros ou médicos ou contadores (por que não?) pensando no dia em que seremos independentes, sonhamos com todas as coisas que saberemos fazer sozinhos. A adolescência não é muito diferente, é um momento de transição onde raramente encontramos alguém vivendo no presente, quase todo mundo está sonhando com quando vai poder morar sozinho ou quando não vai mais precisar estudar, ou sonha com a liberdade de estudar apenas o que lhe interessa na universidade. Mas para muitos que estão passando por essas fases hoje pensar no futuro é doloroso, e se nossas gerações seguiram (ou tentaram quebrar) padrões culturais que davam rumo às nossas jornadas, essas novas gerações não sabem onde encontrar exemplos em quem se espelhar pois o futuro parece não ter precedentes.
Faz sentido ainda fazer faculdade? Comprar uma casa? Criar uma família?
Não surpreende que a maioria dos adolescentes consultados na matéria não pensam em ter filhos.
Para os mais novos há também a descoberta de que os adultos não são sempre confiáveis, que nem sempre agem no seu benefício, e que seus pais não podem resolver todos os problemas, o que por si só pode ser assustador. E isso tem vindo com uma camada extra de pressão para que eles resolvam o problema sozinhos. Quantos adultos já não desistiram da luta climática deixando-a para os mais jovens? Quantos já não disseram que cabe às próximas gerações resolver os problemas que não conseguimos? Nesta semana mesmo, em um tweet sobre negacionismo e e medidas anti-ambientais de Trump, Obama disse que “todo mundo, mas especialmente os mais jovens, precisam cobrar mais do governo”. Por que esse peso?
A idealização de Greta Thunberg tem muito a ver com isso. E por mais longe que ela tenha chegado, por maior que seja o movimento dos estudantes com seus protestos e marchas, eles são apenas crianças, não tem poder e sequer podem votar para decidir quem terá. Por mais capazes, fortes e sensatos que eles se mostrem todos os dias, como podemos esperar tanto de pessoas ainda em formação? E que espaço deixamos para que eles vivam essas fases tão importantes de suas vidas?
De acordo com os Institutos Nacionais da Saúde, nos Estados Unidos, quase 1 em cada 3 adolescentes do país sofrerão algum distúrbio de ansiedade, uma taxa que cresceu 20% entre 2007 e 2012.
Me parece que a infância e a adolescência que eu vivi está em extinção, ainda existe mas apenas em bolhas de alienação criadas por pais que tentam - justificadamente mas quase em vão - proteger seus filhos.
Academia Americana de Pediatria, 2015.
A matéria da Rolling Stones foi escrita antes do coronavírus invadir de vez a nossa vida, quando a jornalista ainda podia se encontrar pessoalmente com os entrevistados, sentados na mesa de um café cheio. Agora estamos todos sentindo algum tipo de ansiedade, trancados em nossas casas tentando entender o que se passa lá fora e suas consequência no futuro próximo e distante, numa escala pessoal e global. É bom não esquecemos essa sensações, talvez elas nos ajudem a melhor entender nossas crianças e o que elas já enfrentam ou ainda enfrentarão.
Até porque, agora já não há mais bolha familiar que resista, nos vemos tendo que explicar aos pequenos porque eles não podem ir a escola ou visitar os avós, porque não se sai mais de casa e todos estão tão preocupados.
Leitura extra
O que as quebradas da zona Sul de São Paulo podem ensinar sobre preservação ambiental? (Periferia em Movimento / Português)
O vírus somos nós (ou uma parte de nós) O futuro está em disputa: pode ser Gênesis ou Apocalipse (ou apenas mais da mesma brutalidade) (El País / Português)
Lições Climáticas da Pandemia: Negacionismo e Inércia Revelam Outra Face da Necropolítica (Modefica / Português)
It’s Official: Antarctica Used to Have a Rainforest. Novas evidências mostram que o continente mais frio do planeta abrigou densas e úmidas florestas na época dos dinossauros. Os resultados irão ajudar a definir estimativas do aquecimento criado pelo homem. (Bloomberg Green / Inglês)
‘We can’t go back to normal’: how will coronavirus change the world? Tempos turbulentos são sempre tempos de mudanças radicais. Alguns acreditam que a pandemia traz uma chance única para refazer a sociedade e criar um futuro melhor. Outros se preocupam que pode apenas piorar injustiças que já existem. (The Guardian / Inglês)
We Can't Tackle Climate Change Without You It's time to make a commitment to do more for the climate. Do what you're good at, and do your best. (Wired / Inglês)
Até semana que vem… ou a próxima. Cuidem-se!
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