Clímax #17: Coronavírus?
Olá,
Eu não sei muito sobre psicologia humana, não sei o que nos faz ter medo de uma coisa ou de outra. Gostar de gatos e cachorro é algo que me parece muito comum, eu poderia facilmente abraçar qualquer um que vejo pela frente, mas também conheço pessoas que tem pânico e não podem nem ver um ou outro.
Nos últimos meses uma nova razão para ter medo surgiu, o coronavírus. Mas o que nos faz de repente ter mais medo dessa nova ameaça do que de uma gripe normal ou da dengue, por exemplo? O que faz certas pessoas em países com apenas 1 ou 2 casos acabarem com o estoque de papel higiênico dos supermercados? Aliás, também gostaria de saber o que faz alguém priorizar papel higiênico mas aí é outra conversa…
Cada vez mais temos pessoas com mais medo de vacinas do que de sarampo, que no fundo significa mais medo de autismo do que de sarampo. Por que?
Podemos nos questionar sobre a mudança do clima também. Por que alguns de nós temem tanto os seus efeitos enquanto outros não parecem se preocupar?
No Clímax de hoje vou passar um tempo falando de alguns assunto onde clima e COVID-19 se encontram. E mais pro final dou uma passada por outros temas da semana.
Você tem medo?
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Baile de máscaras
O coronavírus é o assunto do momento, ele nos prova mais uma vez que não há fronteiras para os problemas em um mundo globalizado como o que vivemos, o que acontece em um país afeta todos os outros. Muita gente tem tentado conectar ou comparar a epidemia com a crise climática e eu compilei aqui alguns dos temas mais discutidos. É interessante ver, por exemplo, que estamos dispostos a ferir a economia - como tem acontecido na China, ainda que a previsão seja de recuperação - para conter a expansão da doença, mas sempre que falamos em mitigação da crise climática, o que seria feito com planejamento e não no susto, a primeira pergunta que surge é como pagaremos por isso.
A queda das emissões chinesas O coronavírus foi descoberto na China no começo do ano e até agora o país foi o mais afetado pelo vírus em todos os sentidos. Para diminuir a contaminação cidades foram fechadas, assim como fábricas e refinarias, pessoas tiveram que ficar confinadas em suas casas e foram impedidas de viajar, diminuindo a demanda por transporte nas cidades e fazendo com que 13.000 voos a menos tenham saído por dia em fevereiro. É calculado que a atividade das indústrias mais importantes tenha caído de 15 a 40% em relação ao mesmo período no ano passado. Em termos de emissões de CO2 isso representou uma queda de 25% em relação ao ano anterior. Não há nenhuma grande novidade aqui, uma diminuição nas emissões costuma ocorrer durante crises sejam elas econômicas (como em 2008), de saúde como vemos agora, ou mesmo após eventos mais pontuais como os ataques de 11 de setembro. Claramente não existem motivos para se comemorar quando pessoas estão morrendo, mas também porque a queda é meramente temporária. Além disso, a recuperação do país pode piorar a situação. Em momentos de crise o investimento em questões ambientais tende a diminuir e para compensar as atividades econômicas perdidas é possível que o governo estimule indústrias poluentes através de incentivos fiscais, por exemplo, principalmente se a China quiser manter a sua meta de crescimento definida para este ano, e parece que é exatamente isso que está acontecendo.
Uma amostra da queda de consumo de carvão na China. O 0 marca o dia do Ano Novo Chinês, que muda a cada ano mas onde sempre há uma queda grande pois é o maior feriado no mais, quando fábricas fecham para que todos os seus empregados possam ir para casa. O consumo sempre volta a crescer logo depois, mas este ano foi bem diferente.
Mortes por poluição x mortes por COVID-19 Há algum tempo que a poluição do ar é um conhecido problema na China. É estimado que o alto nível de PM2.5 é responsável pela morte de em média 5.500 pessoas por dia no país. Com a crise provocada pelo coronavírus a média de concentração de PM2.5 por lá caiu em 25%, o que, em três semanas poderia evitar 18.000 mortes por poluição do ar, de acordo com o especialista Lauri Myllyvirta. Até agora mais de 3.000 pessoas morreram na China. Ainda que o novo vírus não tenha sido oficialmente chamado de pandemia pela OMS, muitos já o consideram, mas será que a poluição do ar também não o é? (O que é PM2.5?)
Aprendendo a viver sem se deslocar Uma das medidas tomadas para controlar a disseminação do vírus é cancelar grandes eventos e manter as pessoas em casa o máximo possível, às vezes de forma forçada. Aconteceu na China, acontece agora no Irã e na Itália que já fechou escolas e universidades pelo menos até abril, e cancelou eventos de grande aglomeração, e começa a se espalhar pela Europa. As pessoas tiveram que se adaptar, empresas liberaram seus funcionários para trabalhar de casa, escolas deram aulas pela internet. Viagens foram canceladas e conferências internacionais viraram video-conferências. Não é apenas uma questão ditada pelos governos, nem mesmo apenas em países que já registraram casos da doença, a demanda por viagens aéreas caiu tanto que a IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo) já calcula um prejuízo de 113 bilhões de dólares na indústria neste ano. Novamente, não podemos comemorar pois baques tão repentinos na economia não são bons para ninguém. Mas essas medidas de adaptação podem servir de exemplo de como podemos ser mais flexíveis mesmo quando a ameaça do vírus se for. Se podemos fazer essas mudanças pelo COVID-19 não podemos fazer algo parecido pelo clima?
A credibilidade da ciência Nós não podíamos prever especificamente a chegada do novo coronavírus, ainda assim houve muita crítica à China por não ter dado a devida atenção aos alertas dos médicos que tratavam os primeiros casos em Wuhan. O Dr Li Wenliang ficou famosos por ter sido repreendido pela polícia por tentar alertar outros médicos da nova doença que surgia, e sua morte pelo próprio vírus causou comoção global. O discurso é que precisamos ouvir os médicos, ouvir os cientistas. Há anos a ciência médica sabe que a ameaça de novas epidemias é grande, e em 2018 a OMS criou a conceito de “doença X” para nomear hipotéticos agentes patogênicos com potencial de começar novas epidemias e assim iniciar pesquisas para descobri-los antes que causem tais problemas. Mas há décadas que a ciência nos alerta para os perigos da crise climática e ainda assim muitos preferem não ouvir a ciência quando se trata desse tema específico.
A crise climática aumentará a possibilidade de epidemias? Ainda não sabemos ao certo a origem do COVID-19, talvez tenha sido de morcegos ou do mamífero pangolim, mas é certo que a doença é uma zoonose, ou seja, que ela foi transmitida de um animal para um humano. Especialistas temem que a crise climática acelerará esse tipo de transmissão ao alterar o habitat dos animais. É esperado que o aquecimento do planeta leve a uma migração de espécies para regiões mais longe da linha do Equador e para lugares de maior altitude. A migração, o contato com doenças de outros habitats para as quais seus organismos são criaram resistência, e a diminuição da diversidade de espécies são alguns dos efeitos das mudanças climáticas que diminuirão a imunidade dos animais, aumentando a chance de zoonoses. Além disso, não são apenas os animais que migrarão mas também os humanos, e iremos todos para os mesmos lugares, aumentando o nosso contato e a chance de transmissão de doenças. Um exemplo de doença que já se expande por conta do clima é a doença de Lyme, transmitida por um tipo de carrapato cuja área geográfica cresce junto com a temperatura, e cujas taxas de incidência constam como indicador de mudanças climáticas para a Agência de Proteção Ambiental dos Estado Unidos - o país onde a doença é mais comum. Se não fosse o bastante, o derretimento de glaciais e do permafrost tem o potencial de liberar agentes patogênicos congelados há milhares de anos. Um estudo publicado em janeiro conseguiu extrair amostras virais e microbiais em boa condição de um glacial no Tibet e encontrou populações virais de até 15.000 anos, 28 das quais foram consideradas nunca antes registradas. Eles acreditam que estudos futuros desses dados poderão nos apontar os possíveis impactos dos vírus caso ativados.
Climão da semana
Adeus, praia! Nos próximos 30 anos as praias do planeta perderão pelo menos 100 metros de areia pela elevação do nível do mar e pela erosão, ambas consequências das mudanças climáticas, de acordo com estudo publicado na Nature Climate Change. Entre os países que perderão mais praia estão alguns de nossos vizinhos: o Chile, que deve perder até 7.000km, e a Argentina que pode perder até 4.400km. Caso se cumpram os objetivos do Acordo de Paris, poderíamos evitar até 40% dessas perdas.
Florestas tropicais não são mais solução No Clímax #14 eu falei de um estudo brasileiro que sugeria que áreas da Floresta Amazônica já haviam perdido sua habilidade de absorver carbono e ao invés disso haviam se tornado emissores de carbono. Pois esta semana um novo estudo concluiu a floresta tropical do Congo também está absorvendo menos carbono ano após ano, e nesse caso se trata de áreas intocadas pela atividade humana. O estudo prevê que até 2030, a floresta africana absorverá 14% menos CO2 do que fazia há 10 ou 15 anos, e que em 2035 as árvores da Amazônia terão parado de absorver CO2 por completo.
Desastres da semana
Deslizamento na Baixada Santista Fortes chuvas provocaram deslizamentos de terra no litoral paulista, deixando 31 mortos entre os municípios de Guarujá, Santos e São Vicente, além de 49 pessoas que seguem desaparecidas. Ainda há riscos de novos deslizamentos. Enchentes tem sido um dos grandes transtornos deste verão brasileiro, praticamente todo o sudeste foi atingido nos últimos meses.
Gafanhotos conquistando novos continentes A invasão de gafanhotos no leste africano sobre a qual eu falei no Clímax #13 já chegou na Índia e no Paquistão, e a China já começa a se preparar para a chegada deles no seu território. Mas não, eles não mandaram um exército de patos para a fronteira para que comessem os invasores. A notícia que foi divulgada em muitas publicações não era correta, parece que patos nem gostam muito de gafanhotos… Em compensação, em Uganda é o exército que está lidando com a infestação, mas um exército de humanos.
Leitura extra
Para quem tem interesse em Direito e no papel legal das empresas em relação às mudanças do clima, o Jota publicou um artigo de opinião entitulado O dever jurídico de informar os riscos climáticos que comenta a ação contra Exxon nos Estados Unidos - que não deu em nada - e como ela dialoga com a realidade brasileira.
No Clímax #14, quando eu falei de ecofascismo, eu mencionei um texto chamado The Coming Avocado Politics, para quem quis ler mas não fala inglês o texto foi traduzido para o português pelo Clima Info.
Se você se interessa pelo impacto do plástico no planeta, a revista Rolling Stone escreveu o texto perfeito para você. Eles falam desde a história de como o plástico foi inventado, ao impacto nos oceanos de na terra, passando pelo problema da reciclagem até as posições das empresas e as políticas públicas que tratam do tema.
Até semana que vem!
Lave suas mãos, evite tocar o rosto e use a dobrinha do cotovelo para espirrar ou tossir. Não porque eu acho que há grandes chance de você pegar o coronavírus, mas porque são hábitos que já deveríamos ter com ou sem epidemias à vista.
Ah, e não seja o cara que acumula papel higiênico em casa.