Clímax #14: Natureza humana, Antártida e rap climático
Olá,
Boa sexta-feira com estes mini-rappers da Irlanda que cantam sobre mudanças climáticas.
De nada!
É sua primeira vez por aqui?
E confira as edições passadas no site:
A natureza humana está destruindo o planeta?
Acompanhar a falta de ação climática é uma tarefa difícil. Facilmente somos levados a pensamentos pessimistas e a conclusão de que o ser humano está fadado à destruição e auto-destruição, afinal, fomos nós que causamos o problema e somos nós também que não estamos fazendo o suficiente para controlá-lo. Existe uma ideia forte de que não conseguiremos mudar porque certas características são fortes demais, são da natureza humana. A ambição, o egoísmo, a preocupação com a satisfação imediata e a falta de consideração com o longo prazo, a competitividade, a superioridade em relação ao resto do planeta.
Será que realmente não temos controle?
Em um texto entitulado What Climate Change Tells Us about Being Human, a Dra. Genevieve Guenther escreve:
O nosso comportamento é baseado nas nossas necessidades e as nossas necessidades não são mais naturais, não são instintivas, são baseadas nas ficções coletivas que criamos para organizar nossas sociedades e que estão em constante mudança. Cada vez mais essas necessidades são ditadas por um mercado que só busca novas formas de ganhar dinheiro. Mas da mesma forma que criamos necessidades, podemos mudá-las, recriá-las, rejeitá-las. Será que não?
Há também uma ideia um pouco mais cientifica, inspirada por Darwin e pela ideia da sobrevivência do mais apto, que vê a competitividade como base da existência. Mas mesmo essa visão já parece antiquada. Hoje vemos o poder da simbiose e da colaboração entre espécies como parte fundamental da vida no planeta. O autor John Favini discute essas ideias no texto What if Competition Isn’t As “Natural” As We Think?, onde ele conclui que precisamos aprender a reconhecer o impulso de naturalizar certos comportamentos humanos como uma manobra política, e que a competição é tão natural quando a colaboração. E termina dizendo:
É importante pensarmos nisso pois colocar a culpa da crise climática na natureza humana é muito mais perigoso do que parece. Primeiro pelo óbvio, porque insinua que nada pode ser feito. Mas também pelo que vem depois desse entendimento, a ideia de que se o problema são os humanos e os humanos não podem mudar, a única solução seria termos menos humanos no planeta. E assim temos o ecofascismo.
O estilo de vida americano fornece aos nossos cidadãos uma qualidade de vida incrível. Entretanto, o nosso estilo de vida está destruindo o meio ambiente do nosso país… Corporações estão liderando a destruição do nosso meio ambiente… A cultura do consumo está criando milhares de toneladas de dejetos de plástico e lixo eletrônico desnecessários… A expansão urbana cria cidades ineficientes que destroem milhões de hectares de terra desnecessariamente… O americano médio não está disposto a mudar o seu estilo de vida… então o único passo lógico é diminuir o número de pessoas no país usando os nossos recursos. Se pudermos nos livrar de um número suficiente de pessoas, então o nosso estilo de vida se tornará mais sustentável.
Assim dizia o manifesto do atirador que matou 22 pessoas em El Paso no ano passado, além de citar os atentados em Christchurch que tiveram as mesmas motivações. E nada disso é novo, o próprio nazismo alemão tinha preocupações com o meio ambiente e associava a destruição ambiental com a influência de outras raças. Quando você acredita que precisa eliminar parte da população você sempre começa por aqueles que são diferentes de você por uma razão ou outra.
No interessantíssimo texto The Coming Avocado Politics: What Happens When the Ethno-Nationalist Right Gets Serious about the Climate Emergency, o autor Nils Gilman se aprofunda nesse assunto e nos traz um alerta. Hoje a questão climática está muito dividida no espectro político, é considerada uma pauta da esquerda e, portanto, a maioria das soluções que se apresentam trazem consigo outras pautas sociais, como o que chamamos de justiça climática. Tudo isso dá uma ideia de que esse é um momento incrível de convergência em que para resolvemos essa crise que atinge à todos, a única solução será sermos melhores com todos, e mesmo aqueles que sempre discordaram serão forçados a aceitar isso para salvarem seus próprios futuros. Mas isso não é verdade.
A pauta ambiental pode ser usada pelos dois lados, inclusive, já foi. No passado o ambientalismo já foi conservador. E se hoje nos preocupamos que o lado mais conservador da política não admite a crise climática, talvez esse seja na verdade o momento mais fácil. Precisamos nos preparar para quando eles aceitarem que temos, sim, um problema gigantesco pois as soluções que eles trarão então podem ser ainda mais devastadoras do que as catástrofes naturais que veremos com mais frequência.
É hora de pararmos de culpar nossa espécie e direcionarmos a culpa às poucas pessoas e instituições que são coniventes com o descaso, e aos conceitos que foram de fato criados por nós mas não nos definem. É hora de nos redefinirmos.
Climão
Qual o verdadeiro impacto da moda no planeta? Ninguém sabe. Você já deve ter visto por aí alguns dados sobre esse assunto, por exemplo que por volta de 80 bilhões de peças de roupa são vendidas por ano ou que 3/5 delas vão parar em lixões poucos anos após serem comprados. Mas de onde saíram esses dados? Será que eles são confiáveis? Uma jornalista resolveu encontrar a origem de cada um dos dados mais divulgados e descobriu que a grande maioria não é baseada em pesquisas cientificas ou estudos técnicos. A verdade é que qualquer cálculo rigoroso dos impactos da indústria de vestuário no meio ambiente custaria muito caro e não há interesse no investimento, assim, continuamos trocando informações vazias o que prejudica tentativas de resolução do problema.
A Antártida está mudando Na semana passada falamos do recorde de temperatura no continente e agora ele foi quebrado de novo. Cientistas brasileiros registraram a temperatura de 20,75C na ilha Seymour no dia 09, e esses dois recordes podem estar ligados as recentes tempestades no sudeste do Brasil, como explica o Observatório do Clima.
A ilha Seymour fica na península Antártica, a parte que se extende em direção à América do Sul e uma das regiões do planeta que está esquentando mais rápido, já são quase 3C a mais do que a média de temperatura pré revolução industrial. Esse aquecimento já afeta a sobrevivência dos pinguins de barbicha que vivem na região e cuja população caiu 77% desde 1970.
Enquanto os recordes eram quebrados, a oeste da península um iceberg do tamanho de Belo Horizonte se soltou da geleira da ilha Pine que fica ao lado do glacial Thwaites sobre o qual falei na semana passada.
A poluição causada pelos combustíveis fósseis nos custa $8 bilhões por dia, é o que diz um novo estudo do Greenpeace. Nessa conta entra, por exemplo, os 1,8 bilhões de dias de trabalho perdidos por ano devido à problemas de saúde causados pela poluição.
20% da Amazônia pode já ter se tornado fonte de emissões ao invés de cumprir seu papel de retenção de carbono, tão importante para mitigar as mudanças climáticas. Por dez anos um grupo de cientistas liderados pela brasileira Luciana Gatti tem medido os gases de efeito estufa sobre a bacia amazônica e os dados coletados sugerem essa rápida mudança.
Recomendações
Dois projetos de matérias interativas começaram a ser publicados nesta semana. E o primeiro é em português!
A Camilla Costa da BBC Brasil mostra de forma bem didática o que de fato significa a perda da floresta amazônica. O meu gráfico favorito mostra o que um hectare de floresta - o famoso campo de futebol que é perdido a cada 1/3 de minuto - significa em termos de biodiversidade. O especial continua com mais uma matéria ainda a ser publicada sobre o que está acontecendo em cada um dos países que contém o bioma.
Já o projeto do The Guardian tenta detalhar o saldo de perdas na Austrália devido aos fogos dos últimos meses. Dois capítulos já saíram, o primeiro é uma listagem dos diferentes tipos de efeitos que os incêndios tiveram na população, e à partir do segundo veremos matérias focando nas pessoas que estão na linha de frente de cada uma dessas catástrofes, com a primeira história focando no fogo em si e seu impacto em uma família local.
Até semana que vem! Obrigada pela leitura.
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