Clímax #13: Mulheres e o clima, desmatadores e gafanhotos
Olá,
O texto da semana passada trouxe vários novos assinantes para o Clímax - bem vindas! - mas olha que curioso, todas mulheres*. Por que será?
O conteúdo foi uma combinação de dois assuntos tipicamente vistos como femininos: filhos e a sustentabilidade do planeta. É fato que mulheres se questionam muito mais do que homens quando pensam em ter filhos, consideramos o impacto nas nossas carreiras, na relação com nossos parceiros, pais, amigos, na nossa saúde física e mental, na nossa identidade, questionamos que vida podermos proporcionar à essas crianças e por aí vai. Enquanto isso, muitos homens só pensam no sim ou não e as consequências ficam para se lidar mais tarde.
Quanto a sustentabilidade, em um estudo de 2016 os pesquisadores concluíram que muitos homens deixam de agir de forma sustentável por medo de que isso possa ferir sua imagem de macho. Atitudes como evitar sacolas plásticas ou separar o lixo são algumas das ações que são vistas como muito femininas. Certas atividades de alta emissão de carbono são ícones da imagem do macho como dirigir grandes carros e motos, e até mesmo comer carne. Tudo isso faz com que tenhamos tantos negacionistas do sexo masculino.
No mesmo dia que eu escrevia este texto o The Guardian publicou uma matéria sobre a “eco gender gap” (uma disparidade de gênero ecológica), onde se discute o fato de produtos sustentáveis serem, em sua maioria, direcionados para mulheres. Em dado momento eles citam a professora de desenvolvimento sustentável Rachel Howell que traz uma reflexão que eu achei bem potente:
As mulheres tendem a confiar menos nas instituições, o que pode significar que elas acreditam menos na habilidade da ciência, tecnologia e do governo em enfrentar o problema. Já os homens, tendo sido historicamente beneficiados pelo sistema, são mais propensos a acreditar que, caso seja aceito que há um problema, alguém ou alguma tecnologia vai resolvê-lo e não precisaremos mudar o nosso estilo de vida.
Enquanto na linha de frente da luta climática o que mais se vê são mulheres, quando se fala de mudanças do clima ou sustentabilidade normalmente ouvimos vozes masculinas. No Brasil, toda vez que se fala no assunto se recorre a algum homem: Carlos Nobre, Carlos Rittl, Alfredo Sirkis… Onde estão as cientistas climáticas brasileiras? Foi a Ministra Izabella Teixeira que guiou o Brasil pelas negociações do Acordo de Paris. Temos Marina Silva, temos Sônia Guajajara e Joênia Wapichana representando os povos indígenas. Os nossos movimentos de estudantes pelo clima são na maioria liderado por meninas, os de famílias são liderados por mães.
As mães, aliás, são historicamente muito importantes nos movimentos sociais. Aqui pertinho temos o grande exemplo das Mães da Praça de Maio, e no Brasil elas também foram influentes. Nos EUA as mães sempre foram parte importante do movimento negro, mais recentemente no movimento anti-armas e agora na luta climática. Mães movem mundos porque lutam pelo futuro de seus filhos. Mas onde estão os pais?
E assim fechamos o círculo e voltamos para a combinação de filhos e sustentabilidade. Por que vemos tantas, mas tantas, mulheres dizendo que se engajaram de verdade na luta climática para tentar garantir a vida das próximas gerações mas não ouvimos o mesmo dos homens? Onde estão os homens com coragem de dizer que seus filhos são um bom motivo para ir à luta?
Sei que temos muitos homens entre nós neste momento, e fico muito feliz que estejam aqui. Eu só tenho a impressão de que muitos de vocês compartilharam a newsletter passada apenas com mulheres, então fica um desafio para todos os gêneros:
Se quiser ler mais sobre masculinidade e meio-ambiente, o Modefica tem um texto ótimo.
*para ser bem justa em um dos endereços de email eu não consegui identificar o gênero.
E por falar em gênero…
A crise ambiental coloca mais mulheres em perigo
Há uma forte conexão entre o aumento da violência contra mulher e as causas e consequências da crise ambiental, assim estabeleceu um estudo da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) lançado recentemente. A ideia não é nova, mas esse é o estudo mais completo já publicado sobre o assunto, produzido durante dois anos e contando com 80 estudos de caso. Por violência contra a mulher entenda-se não apenas a violência física e sexual mas também o tráfico humano, a prostituição forçada, o casamento infantil entre outras formas de controle.
A escassez de recursos naturais leva a violência para controle do acesso. Um exemplo dado é a prática de “sexo por peixe” no Quênia e países vizinhos. Lá os homens pescam e vendem para mulheres que por sua vez vendem os peixes nos mercados, mas com a diminuição dos peixes por conta da qualidade da água a demanda é maior do que a oferta e os pescadores podem escolher a quem vender, dando preferência apenas àquelas que “oferecem” sexo além de dinheiro. Cria-se assim um sistema em que as mulheres só conseguem garantir sua subsistência se aceitarem essas condições.
Outro exemplo é que em lugares com escassez de água a mulher geralmente é a responsável por buscar água para a casa por mais longe que seja, deixando-a vulnerável a violência durante o trajeto.
Os crimes ambientais, como garimpos ilegais e o desmatamento para venda ilegal de madeira, também trazem consigo mais perigo para as mulheres. São grupos grandes de homens que chegam em lugares já desfavorecidos e muitas vezes reclusos, às vezes inclusive portando armas, e que usam de seu poder para explorar as mulheres locais.
Mesmo as atividades legais, como a construção de grandes estruturas como barragens ou minas surtam efeito parecido. O estudo cita um caso aqui do Brasil, relatado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que afirma que as empresas de construção de represas são cúmplices no tráfico sexual de mulheres, incluindo menores. Em um canteiro de obras em Belo Monte, o grupo encontrou mulheres e adolescentes vivendo em condições análogas à escravidão em bordéis.
Se analisou também os efeitos dos desastres naturais, cada vez mais frequentes e intensos por causa da mudança do clima, na vulnerabilidade das mulheres. Durante longas secas, por exemplo, homens tendem a beber mais e tornando-se mais violentos com suas parceiras. Famílias tendem a querer casar suas filhas cada vez mais cedo, para que não seja mais responsabilidade sua garantir o sustento delas, aumentando assim o número de casamentos infantis.
Finalmente, o estudo se voltou para as mulheres na linha de frente da luta ambiental, seja no ativismo onde se encontra uma violência desproporcional a elas em comparação aos ativistas homens, ou no mercado de trabalho do ambientalismo, onde também se vê descriminação e mais violência.
Climão brasileiro
71% dos brasileiros acreditam ser muito provável que a temperatura média global aumente em 2020, de acordo com o relatório Global Advisor Predictions 2020 da Ipsos. Estamos abaixo da média global de 77%, e bem abaixo dos 89% de turcos que encabeçam a lista. O resto do top 5 inclui Cingapura, Coréia do Sul, Chile e Hong Kong.
Mapa dos desmatadores brasileiros O site De Olho nos Ruralistas compilou e analisou dados do IBAMA sobre multados na categoria flora nos últimos 25 anos e criou um mapa para que se visualize facilmente quem são e onde estão. A categoria flora inclui multas por desmatamento e por beneficiamento de produtos de zona desmatada. No mapa é possível separar as multas por ano e por valor (à partir de 1 milhão) e ver o nome e CNPJ ou CPF dos proprietários. A lista inclui muitos famosos, políticos e parentes de políticos. Os dados mostram que a reincidência e a inadimplência são grandes, uma das empresas que aparecem no ranking, a Cosipar, levou multas em nada menos do que 16 anos diferentes. O valor chega a R$ 156,9 milhões – destes, R$ 155 milhões ainda não foram pagos. O The Intercept Brasil se baseou nos dados e focou no que eles chamaram de os 25 maiores destruidores da Amazônia. Segue um trecho:
Os 25 maiores desmatadores somaram mais de R$ 50 milhões em multas entre 1995 e 2019. No total, suas centenas de autuações chegam a R$ 3,58 bilhões, praticamente o orçamento do Ministério do Meio Ambiente inteiro para 2020. Corrigido, o valor chegaria a R$ 6,3 bilhões. Sozinhos, os campeões da destruição são responsáveis por quase 10% do total de multas aplicadas por devastação de flora desde 1995 – R$ 34,8 bilhões.
Bolsonaro assinou o projeto de lei que regulamenta a exploração em terras indígenas. O projeto, sobre o qual já falamos aqui, segue agora para análise pelo congresso. Se aprovado, o garimpo em terra indígena será liberado supostamente somente após consentimento dos povos locais, enquanto para outros tipos de atividades como exploração de gás ou construção de hidrelétricas os povos não terão poder de veto.
Quando questionado sobre o projeto, o presidente chegou a falar que “se pudesse, confinaria os ambientalistas na Amazônia”, ao que muitos responderam “vambora!”.
Coincidentemente, quase ao mesmo tempo saiu o vídeo abaixo, um projeto da Rede Amazônica de Informação Ambiental Georreferenciada (RAISG) em parceria com várias outras entidades que explica de forma bem didática o aquecimento global e a importância das terras indígenas da Amazônia. Em diversos momentos eles mencionam os perigos da mineração nesses locais.
Rapidinhas do desespero
Antártida bateu recorde de temperatura já registrada ontem: 18,3C
Mês passado foi o janeiro mais quente já registrado globalmente e na Europa.
O permafrost vai dar mais trabalho do que o esperado O derretimento do gelo do permafrost - ou pergelissolo, o solo do Ártico - há muito tempo é uma preocupação para os cientistas pela quantidade de gases de efeito estufa que emitiria (ou melhor, emitirá). Mas quantificar o problema é um pouco difícil, até então achava-se que essas emissões aumentariam o efeito das emissões humanas em 10%, mas um novo estudo que descobriu um processo chamado de “derretimento abrupto” em algumas regiões agora calcula que esse número pode ser o dobro.
O Glaciar Thwaites, na Antártida, está derretendo por baixo Também conhecido como Doomsday Glacier (o glaciar do fim dos tempos), é o maior e mais vulnerável que temos e se ele desmoronar o aumento do nível do mar será rápido e de mais de meio metro. Pela primeira vez cientistas conseguiram levar uma câmera e filmar a base do Thwaites, onde ele encontra o chão do oceano, e descobriram enormes buracos que mostram que o derretimento está acontecendo muito mais rápido do que o esperado.
Desastres das últimas semanas
Enchentes no Brasil O número de cidades em estado de emergência em Minas Gerais chegou a 136 e no Espírito Santo foram 22, deixando milhares de pessoas desabrigadas e dezenas de mortos. A água chegou a levar a lama do rompimento da barragem de Brumadinho para plantações da região, destruindo tudo. Eventos meteorológicos desse porte não são novidades no Brasil, acontecem ano após ano mas seguimos os menosprezando e achando que temos sorte porque aqui não temos furacões ou terremotos.
Talvez por atingir tão fortemente uma cidade rica como Belo Horizonte, trazendo uma destruição que não se restringiu aos bairros pobres como de costume, a chuva que derramou o maior volume de água desde 1910 na cidade suscitou um debate sobre o planejamento urbano no Brasil. A principal questão discutida é a falta de consideração com o curso da água e a mania de se canalizar os rios nas grandes cidades brasileiras que trará cada vez mais problemas com o aumento da intensidade das chuvas, o que já é uma das consequências das mudanças climáticas.
Famosa agora por motivos mais infelizes, a cidade chinesa de Wuhan enfrenta o mesmo tipo de problema das metrópoles brasileiras mas já começou uma batalha para reverter a situação e é um dos maiores exemplo de “cidades esponjas” da China. Wuhan se localiza na confluência de dois rios e por muito tempo foi conhecida como “a cidade dos 100 lagos”. Essas características sempre a deixaram vulnerável a fortes chuvas mas as enchentes pioraram de verdade depois que mais de 75% de seus lagos foram pavimentados. Desde 2015 a cidade faz parte do “cidades esponjas”, o projeto do governo chinês que usa métodos alternativos e ecológicos para drenar a água das cidades, isso significa em primeiro lugar usar o próprio solo natural para absorver a água. O objetivo é que seja aplicado em 20% das áreas urbanas e que essas áreas sozinhas possam absorver e armazenar 70% da água pluvial.
Gafanhotos no leste africano A Somália foi o primeiro país a declarar estado de emergência pela praga de gafanhotos que atinge também a Etiópia e o Quênia. O ano passado foi especialmente úmido no leste africano, com muitas chuvas e ciclones tropicais, o que permitiu que os insetos migrassem do Iémen pelo mar vermelho. Os gafanhotos destroem as plantações dessa região que já sofre muito com a insegurança alimentar, além de se reproduzirem e se deslocarem com muita rapidez. A FAO também alerta para a possibilidade de conflitos na região e pede ajuda internacional para criar um fundo emergencial de 70 milhões de dólares.
É bom ficarmos de olho pois as mudanças climáticas são um grande presente para esse tipo de gafanhoto do deserto. Essa espécie é acostumada com as secas que os deixam sem comida e por isso são acostumados a só colocarem ovos em épocas úmidas, e esses períodos estão se extendendo devido ao clima e a maior incidência de ciclones. Acontece que a cada nova geração, o que significa a cada 3 meses, a habilidade de reprodução do gafanhoto aumenta em 20 vezes, ou seja, quanto mais tempo sem seca, mais rápido a população cresce, e quando ela fica muito grande o inseto migra para novos lugares - foi assim que chegaram na Somália - comendo tudo o que encontra pela frente. Sabe-se lá aonde ele ainda vai chegar.
“O que é o ‘meio-ambiente’
Senão o meu corpo
E o seu corpo
E o ar entre nós?”
Madeleine Jubilee Saito faz belos quadrinhos sobre a crise climática.
Cansei vocês?
Até semana que vem!
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