Olá,
Bem-vindes mais uma vez ao Clímax, uma newsletter sobre a crise climática escrita na primeira pessoa. Por vezes uma curadoria de notícias, por vezes reflexões e discussões, sempre com um toque pessoal e uma pitada de eco-ansiedade.
Hoje você recebe a segunda e última parte da newsletter temática sobre o morar na crise climática. Não entendeu? Comece pela primeira parte e depois volte aqui.
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A edição de hoje ficou tão longa que foi preciso deixar um dos textos (sobre os resíduos da construção) para o próximo e-mail. Achei de bom tom, então, fazer um sumário dos assuntos abordados. Se preferir, você pode pular direto para os que te interessam mais.
Por que nossas casas emitem tanto?
Materiais e o papel do cimento
Minha casa, minha cara: o lar como identidade e o consumo de decoração
Espaços coletivos, espaços privados e a herança dos condomínios
Bunkers?
Por que nossas casas emitem tanto?
A principal razão da ineficiência energética de nossas edificações é a temperatura. A maior parte das casas e prédios onde moramos hoje não consegue controlar a temperatura durante diferentes estações e precisa ser aquecida e/ou resfriada — em alguns lugares durante o ano inteiro — o que demanda muita energia. Porém, não precisava ser assim. Aliás, nem sempre foi assim. Por muito tempo não existiu ar condicionado, mas, embora estejam se tornando mais frequentes com a crise climática, temperaturas extremas sempre existiram. Por isso, ainda hoje olhamos para técnicas do passado em busca de exemplos de como proporcionar conforto térmico de forma mais natural, fazendo uso do sol e do vento.
Os materiais usados, a localização das aberturas, a posição do sol durante diferentes horas do dia, a circulação do ar, são todos fatores que influenciam imensamente a temperatura de um ambiente, e nossas casas podem ser construídas tirando proveito disso para que não precisem de nenhuma ou quase nenhuma climatização artificial, como no caso das casas passivas. Mas, por economia de tempo ou de dinheiro, a maioria dos imóveis não leva em consideração o clima local. O que, então, podemos fazer por esses espaços que já foram construídos?
No último debate presidencial nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump disse que as medidas de eficiência térmica para os prédios incluídas no plano climático do seu oponente pretendiam deixar todas as casas com “mini janelas”, “quanto menos janelas, melhor”. Será que é isso mesmo que é necessário para mantermos uma temperatura agradável com um menor gasto de energia?
Uma coisa ele acertou, janelas são realmente importantes pois por elas, e também pelas portas, se desperdiça boa parte da energia gasta para climatizar o interior, uma perda que pode chegar a 30%. Acabar com as janelas não é a solução, uma simples revisão para checar e consertar as brechas já faz muita diferença, e é sempre possível trocar as janelas por modelos mais novos. Você já parou para olhar a quantidade de variáveis que existem em uma janela? O material, o tipo de vidro, o tipo de abertura, a cor do vidro, a quantidade de camadas de vidro… tudo influencia no quanto ela contribui para manter o interior na temperatura que você quer.
Eu não vou fingir que eu entendo de arquitetura ou engenharia, então não esperem detalhes técnicos. Mas para colocar de forma bem simplista, quando se fala em adaptação de edificações, o processo envolve diminuir a perda de energia através, por exemplo, do isolamento térmico e de melhores janelas, além de reduzir a demanda por energia para a climatização, o que pode ser feito com telhados de materiais refletivos que diminuem o calor, ou com telhados verdes que controlam a temperatura tanto no inverno quanto no verão. Significa também a eletrificação dos sistemas de climatização na promessa de que essa eletricidade seja ou venha a ser renovável, isso porque o aquecimento de água e ambiente em muitas partes é a gás. E também a sua modernização, ou seja, a troca por modelos mais eficientes e inteligentes. Há ainda a questão da iluminação, que precisa ser levada em consideração, mas é difícil ir além da troca de lâmpadas quando se trata de edificações já existentes.
O consumo de energia nas nossas edificações é responsável por 28% das emissões de CO2 no mundo. É uma parcela bem considerável que tem um grande potencial de redução, a tecnologia já existe. É claro que adaptar todos os imóveis existentes no planeta é uma tarefa dificílima e com suas próprias consequências indesejadas — para onde vai todo o equipamento depois de substituído? De onde virá toda a matéria prima necessária? Qual material será usado para o isolamento térmico? Com a estimativa de que o setor de construções pode dobrar suas atividades nas próximas décadas, se nada for feito continuaremos vendo novas edificações sendo erguidas seguindo padrões de eficiência já obsoletos. Infelizmente, como com quase tudo que diz respeito a crise climática, não temos tempo para encontrar uma solução perfeita. Se é que ela existe. Quanto mais esperamos, mais o problema cresce, mais casas ineficientes teremos, mais a temperatura aumenta.
Uma boa notícia é que os arquitetos estão reconhecendo o seu papel na crise climática e já há um apelo para que cursos de arquitetura incluam no seu currículo matérias interdisciplinares abrangendo diversos aspectos do clima, de ciência a questões sociais.
Um parênteses importante: No Brasil não temos o costume, e em muitos lugares a necessidade, de aquecer nossas casas. Nosso maior aliado é o ar condicionado. No entanto, nossos equipamentos podem ser mais eficientes e emitir muito menos gases do que o fazem agora. Isso porque por aqui ainda não regulamentamos o uso HFCs, fluidos refrigerantes com impacto duas mil vezes maior que o do CO2. Em 2016, assinamos a Emenda de Kigali do Protocolo de Montreal, que define um cronograma de redução da produção e consumo dos HFCs até um patamar mínimo — no caso do Brasil, consumo máximo de 20% em relação à linha de base em 2045. Porém, a emenda precisa ser ratificada até o final deste ano e para isso só precisamos que o Congresso aprove. Ratificado, o Brasil seria elegível a receber US$ 100 milhões a fundo perdido para auxiliar a industria na transição. Você pode ajudar a pressionar o governo assinando uma petição pela aprovação. Não há muito tempo.
Materiais e o papel do cimento
O grande vilão climático na construção é o cimento. Responsável por 8% das emissões globais, devido aos processos de combustão necessários para a sua produção, o cimento ainda demanda 10% da água usada para produção industrial e boa parte da areia do planeta, contribuindo para o desaparecimento de praias. Sozinha, uma empresa de construção mexicana extrai 270.000 metros cúbicos de areia por ano.
O cimento é a base do concreto, e o concreto é, literalmente, a base das nossas estruturas modernas. Prédios, pontes, viadutos, barragens. A demanda só tende a crescer, principalmente nos países em desenvolvimento. Estima-se que a área total construída por ano deva dobrar nos próximos 40 anos. Não é possível continuarmos nessa trajetória.
A indústria de cimento já sabe, e tenta desenvolver formas de produzir com menos emissões, mas é difícil que isso seja o bastante. Há também quem tenha desistido do cimento e tente desenvolver novos tipos de concreto que não usem o material. Eu fico sempre receosa em falar de novas tecnologias de materiais porque têm tanta gente pesquisando e são tantas as criações de pequeno porte que nunca vão pra frente. Mas existem algumas vertentes claras nessa busca. Materiais feitos à partir da ação de micróbios ou fungos, à partir da captura de carbono do ar, através da reciclagem de outros materiais, ou usando plantas como matéria prima.
Esse último é o caso do hempcrete, que já vêm sendo usado na construção em vários países. O hempcrete é como um bloco de concreto muito durável e com ótima performance térmica, mas feito de cânhamo e cal. O cânhamo, caso você esteja em dúvida, é a planta da maconha mesmo, que tem a vantagem de crescer super rápido. A produção dos blocos usa apenas uma parte da planta que normalmente é descartada durante a produção de outros produtos, como o CBD, por exemplo. Além disso, por ser feito de plantas que sequestram carbono para crescer, os bloco armazenam CO2.
Para projetos de estruturas menores, como o de residências de um ou dois andares, o uso de materiais mais tradicionais como a taipa, adobe, pedra, bambu, também é um caminho.
Mas a grande aposta do momento é a volta de outra velha conhecida, a madeira. Principalmente o CLT, ou madeira laminada cruzada, que se refere à placas de madeira semelhantes ao compensado que podem ser usadas desde a estrutura até no piso e paredes. O CLT é um material forte, com boa resistência à terremotos e mais resistente ao fogo do que o próprio concreto. Ele já é usado na construção de prédios de vários andares — o mais alto já em utilização tem 18 andares e fica na Noruega — e há projetos de construção de arranha-céus.
As vantagens atribuídas ao material são o fato de ser renovável, de armazenar carbono, e de demandar muito menos energia tanto na fase de produção do material — desde a plantação até a placa pronta — quanto na fase da construção, que é muito mais rápida e usa menos transporte.
Deve haver algum ponto negativo, né? Claro. O principal é o corte de árvores. Existem muitos argumentos a favor da silvicultura, mas também vemos o quão fácil é fazer errado. Uma vantagem do CLT é que madeiras mais jovens funcionam melhor para a sua produção, ou seja, não há nenhum incentivo para se cortar árvores antigas e florestas primarias. Se todo mundo decidisse só construir com madeira a partir de amanhã será que não ia dar ruim? Provavelmente.
Como disse o especialista Mark Wishnie: “Quando pensamos na mudança climática não existem opções fáceis. A única razão pela qual estamos indo por esse caminho é porque sentimos que é necessário”.
Para saber mais, indico alguns artigos bem positivos:
Could wooden buildings be the solution to climate change? / BBC Future
Will the skycrapers of the future be made of wood? / National Geographic
E um mais crítico:
Do high rises built from wood guarantee climate benefits? / Investigate West
E se você tem uma mente de exatas e quer um material mais técnico sobre esses assuntos todos, dê uma olhada nos livros The New Carbon Architecture e Eficiência Energética na Arquitetura, elaborado pela Eletrobras e Procel.
Minha casa, minha cara: o lar como identidade e o consumo de decoração
Você já percebeu que quando falamos na necessidade de diminuir o consumo, a primeira coisa que vem em mente é o consumo de moda? Eu já comentei em uma newsletter anterior que acredito que uma das razões é que na nossa sociedade atual a moda é considerada um interesse feminino e, então, visto como uma futilidade, tornando o seu consumo um luxo, ou um excesso, e nunca uma necessidade ou um consumo justificado. Já produtos e serviços tradicionalmente vinculados ao gosto masculino são vistos como utilidades e seu consumo é mais facilmente aceito.
Há também outro motivo. Atribuímos à moda o aprimoramento do conceito de obsolescência programada através de suas coleções sazonais e suas tendências efêmeras. Mais inútil do que um produto que para de funcionar é um produto que invoca um sentimento de inadequação. Criticamos, então, o consumo instigado por esses estímulos criados pela própria indústria. Porém, a moda não é a única que vive de modismos. Nossas casas também entram e saem de moda.
Tanto a arquitetura, quanto o design de interiores são facilmente datados. Quem nunca entrou em um imóvel e pensou “nossa, parece que parou no tempo”? Quem não lembra dos anos de pátina que as novas gerações não devem nem saber o que é? Mudam os materiais, as cores, as formas, e até as ideias de espaço. Primeiro o bom é ter uma cozinha grande e separada, depois cozinha americana, depois loft com tudo aberto e ilha, por exemplo.
Se quando a moda muda você se atualiza comprando uma blusinha, ou uma calça nova, quando existe um estilo do momento para sua casa, é preciso quebrar e pintar paredes, mudar o piso, comprar móveis novos. É um processo de alto impacto. Mas por focarmos tanto na moda como símbolo do consumismo, acabamos passando pano para outras áreas nas quais consumimos em excesso, incluindo essa.
O lar é uma espécie de refúgio, precisa ser um lugar onde nos sentimos bem, confortáveis, seguros quando o mundo lá fora não parece bem. De certa forma usamos isso como desculpa para o consumo. Eu sei que sou culpada disso, sou super rígida com o consumo da maioria das coisas, mas não penso duas vezes antes de pintar as paredes de um local no qual nem sei por quanto tempo vou viver. Me parece uma necessidade ter uma casa que me alegra, que me inspira, que tenha a minha cara. Mas será que preciso de tanto para alcançar esse objetivos?
A estética de nossas casas sempre foi importante, construímos castelos, afinal. Assim como as roupas extravagantes dos reis — olha só, não é coisa de mulher! — e rainhas, o estilo das construções e de seus interiores serviam como símbolo de poder e de separação de classes. Para se manterem diferenciados dos outros, novos estilos se faziam necessários periódicamente, evitando as cópias. Por vezes, esses estilos andaram de mãos dadas com as artes visuais. Quando pensamos em art nouveau e art déco, por exemplo, o que costuma vir em mente primeiro são móveis e edifícios.
Aí veio a internet.
As mídias sociais transformaram nossas casas em cenários que precisam estar alinhados com a imagem virtual que criamos para nós mesmos. Se antes tínhamos algumas revistas de decoração para ver apenas as casas da elite, o Pinterest abriu as portas de milhões de casas de todos os tipos para colecionarmos inspirações e compararmos nossos lares aos dos outros. Com o Instagram, visitamos as casas de conhecidos e desconhecidos como nunca havíamos antes, por vezes conhecendo melhor o espaço do que os moradores. O Instagram fez ainda mais, criou a necessidade de que tudo ao nosso redor fosse instagramável. Do prato de comida, às embalagens e objetos, os pets, as paisagens. A estética em primeiro lugar.

Isso não influenciou apenas as casas, mas também os imóveis comerciais. A ambiance é cada vez mais importante para restaurantes, hotéis, lojas e mesmo escritórios, que precisam ser bons cenários para atraírem clientes e empregados. Vide o sucesso da Instagram wall que encontramos em tantos estabelecimentos, um cantinho especial planejado com as selfies em mente, despertando a vontade de compartilhar, garantindo a divulgação do local.
Juntamos a dinâmica da moda com a dinâmica da internet, e criamos a ideia de ambientes efêmeros, que podem mudar a toda hora. É normal que cada novo morador faça uma reforma para que o local seja exatamente do seu gosto, é normal que cada vez que um negócio troque de mãos mude também o seu interior. Normalizamos múltiplas reformas consecutivas no mesmo imóvel, só pela novidade. Acontece que uma casa é uma estrutura feita de materiais cujo uso só faz sentido se ela for feita para durar, como vimos ao longo desta newsletter.
Eu não estou defendendo que tenhamos casas ou espaços sem personalidades e que vivamos todos em espaços frios como o dos apart hotéis. O que precisamos é de mais atenção, responsabilidade, e pensamento em longo prazo pois, se antigamente a casa era um lugar mais permanente, e por vezes nascíamos e morríamos no mesmo local, hoje nos mudamos mais do que nunca. Não é sustentável começarmos esse processo a cada nova mudança ou nova estação.
A moda já passa por essa fase de reflexão há muito tempo, acredito ser hora de fazermos o mesmo em nossos lares. Me parece que, talvez justamente por termos passado tanto tempo criticando o consumo de moda, passamos a nos sentir mais responsáveis por seu impacto. Desviamos, então, o nosso desejo por novidade e pelo pertencimento através da adoção do novo para nossas casas. O lar passou a substituir as roupas como representantes da nossa identidade. Podemos, inclusive, observar que muitos profissionais da moda migraram ou expandiram para o mundo da decoração. Certamente não só por afinidade, mas também por enxergarem esse movimento no mercado.
A pandemia claramente cimentou essa tendência. De repente roupas deixaram de ter importância pois não vamos a lugar algum e não somos vistos por ninguém. Nossas casas viraram basicamente nosso mundo inteiro. Ficou até mais justificável que nos dedicássemos tanto a elas.
O que virá pela frente, então? Será que seguiremos os passos da moda e teremos slow decor, design de interiores atemporal e uma onda de móveis sustentáveis? A mudança vai começar pelos produtores ou pelos consumidores?
Uma coisa é certa, podemos questionar mais nossas escolhas. Afinal, se abraçamos esse consumo porque achamos importante que nossas casas expressem quem somos, mas cada vez mais todas as casas se parecem, alguma coisa deve estar errada.
Espaços coletivos, espaços privados e a herança dos condomínios
Se vamos morar de forma mais sustentável, não podemos olhar só para nossas casas, precisamos pensar também nos espaços públicos, pois nossa relação com eles influencia nossa relação com nossos espaços privados. Isso ficou muito claro durante a pandemia. Por não podermos mais acessar muitos dos espaços públicos que acessávamos antes começamos a exigir muito mais de nossas casas. O que antes parecia suficiente, já não é mais. Muita gente sentiu a necessidade de se mudar, seja para lugares com espaços públicos mais amplos (naturais), como a praia ou o campo, ou para espaços privados maiores, como casas com pátio e com sorte com piscina.
Os espaços que compartilhamos são essenciais, quanto mais acessamos publicamente, menos precisamos individualmente. Por exemplo, é mais fácil aceitarmos morar em apartamentos minúsculos em Paris ou Nova Iorque por tudo o que essas cidades nos oferecem fora de casa. Podemos pensar em um exemplo mais próximo. Nas grandes cidades brasileiras, apartamentos nos mais novos condomínios de prédios são cada vez menores e as áreas compartilhadas cada vez mais importantes. A escolha por esses apartamentos não se dá por questões financeiras, já que normalmente custam o mesmo que um imóvel antigo de tamanho muito maior, mas sim porque as pessoas estão dispostas a “sacrificar” seu espaço privado se tiverem outras coisas garantidas: fácil acesso à espaços abertos, espaços de lazer — mesmo que coletivos — e segurança.
Condomínios fechados são símbolos da segregação urbana no Brasil. Considerados ilhas de segurança que separam os moradores dos “outros”, muitas vezes os alienando da realidade da cidade que habitam, esses empreendimentos merecem as críticas. Eles são promovidos pelas construtoras como algo luxuoso, com áreas compartilhadas incluem salões de festa com cozinha industrial, salas de cinema, piscinas aquecidas. Porém, essa experiência privada é um exemplo do que deveríamos estar buscando publicamente e nos mostra que o “luxo” não precisa ser individual. Só precisamos fazer isso de forma democrática.
Existe um conceito que eu gosto muito, o de suficiência privada e luxo público, frequentemente defendido pelo jornalista e ativista George Monbiot. Ele sugere mais espaços compartilhados e gerenciados não pelo Estado nem pelo mercado, mas pelas comunidades. Os moradores de uma rua podem compartilhar e gerenciar juntos um pequeno parque comunitário, ao invés de cada casa ter um pátio minúsculo, por exemplo. Podemos também democratizar o luxo. E se ao invés de algumas pessoas usufruindo individualmente de Ferraris e Porches, tivéssemos transporte público ultra moderno, rápido e confortável para que todos tivessem acesso à um transporte “luxuoso”?
Itens de luxo, que por natureza não são uma necessidade, fazem uso de recursos naturais e emitem gases de efeito estufa — no mínimo durante a produção — se transformando em um benefício que será consumido apenas por um número ínfimo de pessoas. Enquanto isso, bens que serão usados por centenas, milhares ou às vezes milhões de pessoas, são feitos da forma mais simples e mais econômica possível. São o básico e nada mais. Não é a toa que o 1% mais rico da população emite duas vezes mais do que o 50% mais pobre, e suas emissões tem crescido três vezes mais rápido do que a da metade mais baixa da pirâmide.
E se todo o luxo de uma mansão, o esforço e a criatividade do arquiteto, os materiais especiais, a tecnologia, fossem usados em escolas ou hospitais? E se fosse usado para construir um hotel com preços populares, acessível à toda a população, mas no qual ninguém poderia passar mais de uma ou duas noites por ano? O luxo não precisa deixar de existir, mas ele precisa deixar de lado a premissa da exclusividade.
Quando compartilhamos, consumimos menos como coletivo sem deixar de usufruir dos objetos de consumo individualmente. Consumindo menos, podemos produzir menos, explorar menos, descartar menos, o que nos leva a emitir menos. Serve para bens, mas também serve para espaços. O luxo não precisa deixar de existir, a não ser que você atribua a ele exclusividade.
Essa ideia de suficiência privada e luxo público se relaciona com muitas outras, como o da economia compartilhada, por exemplo, que pensa o consumo coletivo do ponto de vista do mercado. Mas esqueça Uber e Airbnb, economia compartilhada têm muito mais a oferecer do que isso. Pense menos em novas versões de táxis e mais em aluguel de roupas ou bicicletas, por exemplo.
Se eu puder alugar ou pegar emprestado algum bem que eu preciso para uma ação pontual ou com pouca frequência, como uma furadeira, uma batedeira, uma jóia para uma festa, um cortador de grama, um casaco para neve, ou brinquedos que em 3 meses não serão mais indicados para a criança, por que o compraria? E se consumir dessa forma significar que terei acesso à produtos de muito mais qualidade, ou, ouso dizer, de luxo?
Acumulando menos bens, precisamos de ainda menos espaço privado. O contrário também é verdadeiro, se temos menos espaço para acumular bens, ficamos mais abertos ao compartilhamento.
Quanto de espaço, então, precisamos? O que seria a suficiência privada?
Os pesquisadores Narasimha D. Rao e Jihoon Min definiram um conjunto de condições materiais universais e essenciais para se alcançar o bem-estar humano básico no seu estudo Decent Living Standards: Material Prerequisites for Human Wellbeing. No que diz respeito a espaço físico para residências, eles calcularam um mínimo de 30m2 para até três moradores, e à partir disso, 10m2 para cada morador extra. Esses números se baseiam em diretrizes estabelecidas em países ricos com alta densidade populacional. Na Coréia do Sul, o mínimo estabelecido para uma pessoa é de 12m2, adicionando-se de 8 a 10m2 por cada pessoa extra na residência. Já em Taiwan os números variam entre 7 e 13m2 por pessoa, dependendo do tamanho da família. É claro que estamos falando do mínimo, não quer dizer que você precise viver assim, mas a verdade é que muita gente ao redor do mundo vive dessa forma. É importante termos essa perspectiva e nos perguntarmos de tempos em tempos se não podemos viver com menos.
Bunkers?
Há quem acredite que o futuro da habitação serão os bunkers e já existe um mercado de luxo para isso, provavelmente muito maior do que se sabe.
Eu não tenho muito a falar sobre o assunto, mas recomendo as seguintes leituras:
Real estate for the apocalypse: my journey into a survival bunker / The Guardian
Billionaire bunkers: How the 1% are preparing for the apocalypse / CNN
A boom time for the bunker business and doomsday capitalist / NYT
Os ricos investem em bunkers para escapar do ‘fim do mundo’ / Veja
É o fim do mundo. Como milionários americanos se preparam para o colapso da civilização / Piauí
Até mais!
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