Clímax #32: propostas climáticas no Brasil
+ fogo e emissões + reflexões pessoais e conselhos climáticos
Olá,
Não há uma semana de calmaria em 2020, não é mesmo? Mas, seguimos por aqui sempre que dá.
Nesta edição 32 do Clímax, eu queria falar de um assunto e acabei falando de outro. Meu texto original falava de crescimento e decrescimento, mas não havia jeito de terminar então foi preciso mudar de direção. Eu claramente não precisava contar isso para vocês, mas tenho sentido uma certa paz quando sou mais honesta e deixo claro que está difícil seguir qualquer plano neste momento de crises. Quem sabe semana que vem?
É sempre curioso para mim notar as mudanças de formato e conteúdo que a newsletter vai tomando com o tempo, e me alegra muito ter essa liberdade. Mas talvez, no fundo, eu não me permita ser tão livre assim. Ultimamente tenho me visto muito presa a questões brasileiras, o que me surpreende bastante já que minha proposta original era justamente falar sobre o que está acontecendo em outros lugares e não temos muito acesso aqui. Me pergunto se isso é mais um reflexo do que eu imagino que os outros acham que eu preciso falar do que de fato o que quero e acho importante falar. Vale a pena eu ficar reforçando aqui o que já é mais falado lá fora?
É comum hoje a gente exigir o posicionamento de todo mundo sobre tudo o tempo inteiro, o que é impossível. No meu caso, por falar de crise climática no Brasil, para brasileiros, posso me dar o luxo de não comentar cada escândalo e cada desgraça que acontece com o nosso meio ambiente? Aceito opiniões.
Por falar em mudanças, tenho uma novidade, abri um espaço no site da newsletter para receber dúvidas de vocês para uma espécie de coluna de conselhos climáticos. Será que rola? O espaço ficará aberto para sempre, esperando por contribuições anônimas. Conforme as questões apareçam, eu vou escolhendo algumas para responder em newsletters futuras. A ideia foi inspirada pela coluna Ask Umbra, escrita pela Eve Andrews para o Grist.
Você tem alguma dúvida ou dilema sobre a vida na crise climática? Não sabe se faz um casamento sustentável ou compra uma bicicleta elétrica? Quer alguma dica específica sobre que hábitos mudar? Ouviu falar de alguma solução milagrosa para a crise e quer saber se é verdade? Tem algum medo que não sabe se faz sentido ou não? Acesse o Conselhos Climáticos e me conte os seus problemas.
O impacto deste ano de fogo nas emissões
Cientistas estão alertando que os incêndios florestais em todo o mundo este ano são "os maiores em escala e emissões estimadas" dos últimos 18 anos, de acordo com a BBC. No ano passado, os fogos na Amazônia, Austrália e Indonésia representaram 4% do total de emissões de gases de efeito estufa do mundo.
Só no Ártico, estima-se que, de janeiro a agosto, incêndios foram responsáveis pela emissão de 244 megatoneladas de CO2. Para comparação, no ano de 2019 inteiro foram apenas 181 megatoneladas.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, os incêndios da Califórnia já emitiram 25% mais CO2 do que o estado emite anualmente com a queima de combustíveis fósseis. Porém, se compararmos com o Brasil, isso representa apenas 14% das emissões produzidas pelos incêndios da Amazônia no ano passado. No Oregon, as emissões produzidas pelos fogos dos últimos meses já ultrapassaram as emissões anuais dos setores de energia e de transporte do estado. Isso quer dizer que incêndios já estão se tornando as maiores fontes de emissões em alguns lugares do planeta.
Uma das florestas que está atualmente queimando no Oregon é um projeto de quase 100 km² de árvores para sequestro de 2,6 milhões toneladas métricas de CO2 vendidos como créditos de carbono. Esses créditos preveem um sequestro a longo prazo – em teoria, pelo menos 100 anos – que não acontecerá se as árvores queimarem agora, liberando antecipadamente o carbono que armazenavam e tornando ineficazes os créditos comprados. É um alerta para melhorarmos as análises de riscos desses créditos.
Mas e no Brasil, o que os fogos deste ano representam para as nossas emissões? Desde o começo do ano um total de 2,7 milhões de hectares queimaram nos Estados Unidos inteiro. Aqui no Brasil, só no Pantanal já foram 2,3 milhões. Adicionando a Amazônia e o Cerrado, biomas ainda mais afetados em termos de focos de fogo, o nosso problema toma dimensões incomparáveis com as do país norte americano. Lá, há ainda outra diferença importante, as áreas afetadas incluem muitas zonas urbanizadas, enquanto aqui, queimamos praticamente apenas vegetação nativa ou pasto.
"Se essas tendências se mantiverem, haverá consequências devastadoras no longo prazo devido à liberação de milhões de toneladas extras de dióxido de carbono, perda de espécies e destruição de ecossistemas vitais" Mariana Napolitano, gerente do WWF-Brasil para Ciências falando sobre a situação do Pantanal para o Uol
Já em maio, o Observatório do Clima previa que as emissões do Brasil aumentariam este ano na contramão das tendências globais, cujos números devem cair em pelo menos 4% por causa da pandemia. Isso porque a nossa principal fonte de emissões são as mudanças de uso da terra (44% das emissões em 2018), e elas estão em franca expansão pelo crescimento do desmatamento na Amazônia, que avança a despeito do vírus. A estimativa era de um aumento de 10 a 20% em relação as emissões de 2018, contudo, ninguém poderia prever que a situação do Pantanal seria tão extrema, e é possível que vejamos números ainda piores.
Ainda sobre fogo, a Rede Amazônia Sustentável fez uma série de vídeos que explica causas, impactos e soluções pro fogo na Amazônia de forma bem simples e didática. Bom para ver com as crianças.
Quer ajudar quem está na linha de frente no combate aos fogos do Pantanal? O Estadão listou diversas organizações que buscam doações. Lembrando que, embora os animais estejam de fato sofrendo muito, eles não são os únicos afetados pelo desastre. O fogo já tomou conta de quase metade das terras indígenas do local, de acordo com reportagem da Pública, e assim como os indígenas, muita gente perdeu seu sustento, seja na pesca, na plantação ou no turismo.
Ações e propostas climáticas no Brasil
A tal retomada verde Nos últimos meses, temos visto um grande esforço para debater como seria uma retomada verde para o Brasil, ou seja, como podemos sair da atual crise econômica e garantir a proteção do meio ambiente e o bem estar da população ao mesmo tempo. Na última newsletter eu mencionei o estudo liderado pela WRI Brasil com um modelo que prevê a transição para uma economia de baixo carbono, criação de empregos e crescimento econômico. Existem muitas outras opiniões sobre o assunto, e todo mundo parece estar querendo se envolver, de empresários a acadêmicos, ativistas, jornalistas e até celebridades. O Estadão criou um especial com ebook, podcast e webinars. (importante: dá para baixar o ebook de graça sem ser assinante!) O Clima Info se juntou com o Observatório do Clima e o GT Infraestrutura, e também apresentou seu próprio estudo com propostas, além de webinars para discuti-las.
Mas, afinal, quais são as principais propostas que esses planos têm em comum? Além do óbvio investimento em energia limpa, como eólica e solar, e em infraestrutura para transporte e logística, há um foco no saneamento, que costuma ser esquecido, mas é essencial para a proteção do meio ambiente. A agricultura também é vista como um ponto importantíssimo, com toda a razão, devido ao seu papel no desmatamento e nas emissões nacionais. Para esse setor, as recomendações incluem a recuperação de pastagens e a adoção de métodos mais eficientes e de baixo carbono, para que se aumente a produtividade sem usar mais terra ou emitir mais. Mas a questão queridinha do momento é o desenvolvimento da Amazônia sem impacto na floresta, através do que chamamos de bioeconomia. Se trata da comercialização de produtos da floresta, como já se vê com o açaí, castanhas e cacau, ou matéria prima para cosméticos e remédios, com pesquisa para descobrir novos recursos biológicos e inovar na forma de usá-los. Tudo isso, é claro, gerando renda para a população local, incluindo os povos indígenas e ribeirinhos que sempre viveram da floresta. Aqui, cabe também mencionar o estudo da WWF com a Embrapa que aponta que na Amazônia, agroflorestas geram mais lucro do que a soja e o gado, principais responsáveis pelo desmatamento.
Cada plano tem também suas peculiaridades e é interessante que o debate continue e se amplie, para que possamos construir essa estratégia juntos. No entanto, devemos nos lembrar que a retomada verde ainda se centra na ideia do crescimento econômico, e não podemos mais nos deixar levar pelo mito de que esse crescimento pode ser eterno.
Reforma tributária sustentável No final de agosto, representantes da sociedade civil apresentaram junto à Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, 9 propostas para uma reforma tributária sustentável. O plano inclui vedar a concessão de benefícios a atividades altamente emissoras de carbono, a criação de um Cadastro Nacional de Atividades Verdes – “CNAE Verde” prevendo a devolução parcial do IBS pago por tais atividades, reforço da governança climática e ambiental local através de um mecanismo de compensação e transferência financeira aos Municípios (inspirado no ICMS Ecológico), entre outras propostas. Entenda mais lendo o site do documento.
Agenda de sustentabilidade do Banco Central Na semana passada, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, lançou um conjunto de ações de responsabilidade socioambiental para a agenda institucional do banco. No anúncio, Campos Neto, deixou clara a preocupação da instituição com os riscos que a mudança climática oferece à política monetária e à estabilidade financeira do país. Medidas a curto prazo incluem a incorporação de cenários de riscos climáticos em testes de estresse que avaliam a capacidade de resistência das instituições financeiras. Já no longo prazo, o banco se comprometeu a tornar obrigatória em 2022 a adoção por essas instituições das recomendações da "Força-tarefa sobre divulgações financeiras relacionadas ao clima" do Financial Stability Board. Há ainda medidas focando no agronegócio, com a criação de um bureau verde onde os dados dos clientes ficam abertos para consulta por diferentes instituições financeiras, incluindo cruzamento com dados de georreferenciamento para a identificação de, por exemplo, sobreposição do empreendimento com áreas de preservação ambiental. É previsto também, aumento de até 20% do teto de contratação de crédito rural para produtores rurais que atendem critérios de sustentabilidade.
Declaração de emergência climática O Projeto de Lei 3961/2 de autoria do deputado Alessandro Molon do PSB do Rio de Janeiro, atualmente em análise na Câmara, prevê colocar o Brasil em estado de emergência climática. O projeto propõe a elaboração de um Plano Nacional de Resposta à Emergência Climática, a proibição do remanejo de recursos orçamentários destinados à mitigação da mudança climática enquanto estivermos em emergência, e a obrigação de uma transição completa para um modelo de economia socioambiental sustentável e neutro em emissões de gases de efeito estufa até 2050. Leia o projeto na íntegra no site criado pelo deputado.
Audiência Pública do STF sobre o Fundo Clima Nos próximos dois dias, acontece a audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso sobre o funcionamento do Fundo Clima. A audiência faz parte da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, apresentada pelo PSOL, PSB, Rede e PT, que aponta omissão do governo federal pela paralização indevida do Fundo entre 2019 e 2020 através da subutilização do orçamento previsto. A audiência contará com a exposição de diversos ministros do governo e representantes de instituições ambientais federais, representantes de organizações da sociedade civil, acadêmicos e empresários. A lista é grande e a discussão deve abranger todo o desmonte ambiental do governo.
O que é o Fundo Clima? É um mecanismo de financiamento de ações de mitigação e adaptação climáticas com royalties de petróleo e empréstimos com juros especiais, por meio do BNDES.
Para amenizar a vergonha que já sabe que vai passar, o ministro Ricardo Salles correu para refazer o comitê gestor do fundo e destravar os R$530 milhões que estavam parados há um ano e meio.
Agenda socioambiental no Congresso O Instituto Socioambiental criou um material super didático sobre os riscos e oportunidades para o meio ambiente, direitos de populações indígenas e tradicionais, entre vários outros temas, no Legislativo Federal. A chamada Agenda Socioambiental no Congresso - Guia de consulta tem o objetivo de contribuir para a formulação de propostas positivas para o país.
Climão na eleição E se a gente conseguisse colocar um monte de candidatos comprometidos com o clima nas eleições municipais? É essa a proposta do Clima de Eleição, que oferece um curso gratuito sobre mudança climática e cidades para capacitar pré-candidatos. O projeto acolhe políticos de todos os partidos e regiões do Brasil, mas terá Curitiba como piloto para uma ação mais completa que inclui parcerias com partidos e análise dos planos de governo para identificar seu alinhamento com a agenda climática. Para o eleitor, o Clima de Eleição criará uma lista pública de candidaturas comprometidas com o clima nos municípios.
Entre sustos e cambalhotas a gente segue se movendo.
Obrigada pela companhia e por falarem do Clímax por aí. Até a próxima!
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Obrigado por fazer essa newsletter. Muito boa! Eu também faço uma:
http://emersom.substack.com
Foi uma coincidência: fiquei sabendo do Clímax pela Poliana, e foi o primeiro substack que vi em português, além do meu, e exatamente sobre o mesmo tema! abs!