Clímax #9: Exploração no fundo do mar, Austrália e o preço da guerra
Olá,
Vocês me perdoam pelo tamanho deste email? Três semanas se passaram desde o nosso último encontro no seu inbox e tanta coisa aconteceu. Não há recesso para a crise climática.
O grande climão das últimas semanas foram os incêndios na Austrália, e fica impossível não tocarmos nesse assunto novamente aqui no Clímax. Outro assunto que dominou a mídia foi o conflito entre os EUA e o Irã, e trataremos dele falando dos custos que uma possível guerra traria ao clima.
2020 claramente já não começou bem.
Mas antes de começarmos nosso papo, eu gostaria de recomendar (para vocês que leem em inglês) o artigo que mais me tocou nesta semana: This Is How We Live Now: A year’s diary of reckoning with climate anxiety, conversation by conversation. Leiam.
Caso você queira voltar no tempo e ler os e-mails do ano passado, siga o link:
Climão da semana
Nós já falamos dos incêndios na Austrália aqui pelo menos duas vezes, por que não é o suficiente? É sempre complicado focar mais nos desastres de países ricos do que nas catástrofes ainda mais comuns nos países mais pobres, mas nesse caso eu acho muito importante falarmos desse assunto não apenas porque ele segue se agravando, mas também justamente por estar acontecendo em um país desenvolvido, o que destrói algumas falácias sobre a crise climática.
Como falamos muito no quanto a crise climática afeta mais os países já vulneráveis, e sobre a responsabilidade histórica dos mais ricos (e consequentemente maiores emissores) em ajudá-los, muitos tendem acreditar que os países ricos não serão afetados, ou que se forem estarão preparados para se recuperar e se adaptar. Há ainda quem ache que não há ação política em prol da causa climática em países ricos pois eles sabem que ficará tudo bem, e que, quando e caso a crise os tocasse, haveria mobilização para mudanças. A Austrália - segundo maior emissor per capita do planeta - prova que nada disso é verdade. Em 2007 e 2008 dois relatórios científicos diferentes previam a situação atual em 2020, ainda assim os australianos votaram em um Primeiro Ministro famoso por levar um pedaço de carvão para o parlamento para defendê-lo e enquanto o país queimava seus negociadores dificultavam as negociações em Madrid.
Eu não vou entrar no assunto das comparações com os fogos da Amazônia, nem sobre as fake news que estão rolando sobre as origens dos fogos pois acredito que já passamos dessa fase, e conteúdo explicando essas questões podem ser encontrados facilmente nas mídias sociais ou em jornais brasileiros. Também vou poupá-los das inúmeras fotos e vídeos de animais carbonizados ou rebanhos inteiros mortos pelos campos e espero que vocês não precisem desses artifícios para sentir compaixão.
Segue os últimos dados dos incêndios:
De acordo com os últimos dados divulgados pelos bombeiros australianos, uma área total de 10,7 milhões de hectares já queimou no país. Isso equivale a uma área maior do que o estado de Pernambuco inteiro. O número de mortos já chegou a 26 e milhares de casas foram perdidas. O prejuízo do evento provavelmente ultrapassará o valor de 4,4 bilhões de dólares que foi o custo, até então recorde, dos incêndios de 2009 no país.
A estimativa atual é que mais de 1 bilhão de animais já perderam ou perderão suas vidas em decorrência dos incêndios. Isso não inclui apenas animais diretamente expostos ao fogo, que morrem carbonizados ou intoxicados, mas também aqueles que perderão sua fonte de alimento ou seu habitat, ou que ficarão mais expostos à predadores pela falta de cobertura vegetal. Há grande possibilidade de que espécies tenham sido completamente extintas nos últimos meses. “Eu acho que ficaremos muito surpresos se descobrirmos que não perdemos nenhuma espécie rara desde o ano novo” disse uma ecologista local. Se não fosse o bastante, o governo planeja matar 10.000 camelos nos próximos dias. O animal não é nativo do país, alguns milhares foram importados nos anos 1840 para ajudar na exploração do deserto, e depois foram abandonados e se tornaram selvagens, destruindo habitats locais. A gota da água agora foi justamente o consumo de água do animal durante essa forte seca, que anda causando grandes conflitos com a população da região sul.
Desde o começo do fogo em setembro, calcula-se que os incêndios já emitiram 370 milhões de toneladas de CO2, equivalente a 2/3 das emissões anuais da Austrália e quase a mesma quantidade emitida pelas queimadas da Amazônia de janeiro a novembro do ano passado. Além disso, como a fumaça dos fogos se espalha com o vento, ela também pode acelerar os impactos das mudanças climáticas ao se instalar sobre glaciais impedindo que eles reflitam o sol e assim fazendo com que derretam mais rapidamente.
Algumas das florestas queimadas provavelmente não se regenerarão, pois a nova frequência de fogos voltará a queimá-las antes que possam se recuperar.
A fumaça dos incêndios cruzou o Pacífico e já chegou ao sul do Brasil.
Lembro que o verão está apenas começando e não há previsão de fim para os fogos.
Foto: Eden Hills Country Fire Service
A pegada de carbono de uma guerra Não será novidade para vocês que guerras só trazem más notícias e que são péssimas para a humanidade. Mas qual seria o efeito de mais uma guerra na crise climática?
A jornalista Emily Atkin, colega de newsletter climática, nos trouxe uma boa análise esta semana. Ela nos conta que as Forças Aéreas dos Estados Unidos foram responsáveis pela emissão de pelo menos 1,2 bilhões de toneladas de CO2 desde o começo da guerra ao terror em 2001. A maioria dessas emissões vem do combustível usado em caças, e uma nova guerra no Oriente Médio provavelmente seria lutada dessa forma, através de ataques aéreos. O próprio Donald Trump sinalizou que não usaria tropas terrestres.
Uma peculiaridade de uma guerra na região é a presença de refinarias de petróleo, comumente usadas como alvo de ataques para desestabilizar o país, o que poderia liberar ainda mais carbono na atmosfera.
Outro problema é que essa animosidade entre países, que acaba se espalhando e dividindo o planeta, mina os esforços para unificar as nações em prol da causa climática, o que é extremamente necessário para controlarmos o aumento da temperatura. A luta climática precisa ser global, precisamos lutar juntos e não uns contra os outros.
E finalmente temos a questão financeira, guerras custam muito caro e destroem economias. Nos países ricos se usa muito o argumento de que simplesmente não há dinheiro para cobrir os gastos de mitigação das mudanças climáticas, mas para guerras sempre se encontra.
Extra: War on the world: Industrialized militaries are a bigger part of the climate emergency than you know. (The Intercept)
Árvore replantada ≠ Árvore original Uma pesquisa concluiu que na Amazônia a floresta secundária (aquela que se reergueu depois de uma grande devastação, como por queimadas) demora muito para crescer e demorará ainda mais com as mudanças climáticas. Mesmo depois de 60 anos crescendo, esses novos trechos de floresta armazenam apenas 40% do carbono que a floresta original armazenava. Reflorestamento é importante para remediar o estrago que já foi feito mas de forma alguma substitui uma floresta intocada.
2019 foi o segundo ano mais quente já registrado, perdendo apenas para 2016 que foi um ano de El niño, fenômeno que altera o clima global, mudando os padrões de vento e de chuva. Na europa e na Austrália 2019 bateu até mesmo 2016.
Refletir e discutir
Um novo tipo de mineração em grande escala com consequências imprevisíveis está para começar e nós mal ouvimos falar
No fundo mais profundo do oceano o que há? Diamantes, ouro e minerais essenciais para a produção das baterias das quais dependeremos para eletrificar o planeta e deixar de usar combustíveis fósseis. Mas também, possivelmente, todo um ecossistema totalmente desconhecido, nos conta um ótimo artigo do The Atlantic.
“Acho que veremos centenas ou milhares de espécies que nunca vimos antes, e algumas delas serão imensas.” Timothy Shank, biólogo evolucionário.
Essa é uma das grandes preocupações quando se pensa em mineração de alto mar, ou deep sea mining. Esse tipo de mineração, que ainda é tratada como coisa do futuro, na verdade já acontece, como na costa da Namíbia ou do Japão. Mas sua grande expansão começará quando for autorizada a exploração em águas internacionais, onde se acredita que estejam as grandes reservas. O que poucas pessoas sabem é que isso está prestes a acontecer, e muito menos de onde virá essa autorização.
A ONU delegou essa tarefa a uma organização chamada International Seabed Authority, com sede na Jamaica e pouquíssima supervisão. Essa organização, que se encontra uma vez por ano, não decidirá se pode-se ou não explorar essas águas mas apenas como isso deve ser feito, através da aprovação de código de mineração, o que deve acontecer no ano que vem. Mais de 30 empresas já tem as licenças para minerar e só aguardam o código para poder começar.
Acontece que ninguém sabe quais serão as consequências dessa atividade, principalmente porque não conhecemos os organismos que vivem nas áreas que serão atingidas pois até hoje - mesmo com muitas tentativas - ainda não se encontrou uma forma de chegar aos cantos mais profundos do oceano. O que se sabe com certeza desde 1977 é que, contrariando a todos os cientistas, existe vida mesmo na perfeita escuridão das profundezas. E alguns esperam que esses micro-organismos até então desconhecidos poderão resolver muitos dos nosso problemas atuais, podendo servir como ingredientes para novos remédios e mesmo novos antibióticos eficientes contra as bactérias que já se tornaram resistentes à todos os que temos hoje. Ou podem ser úteis para reciclar emissões, como aponta uma bactéria que já foi encontrada e que transforma CO2 em gás metano.
Mas essas oportunidades podem se perder se a mineração em alto mar começar em grande escala pois o mecanismo que se usa suga todo o fundo do mar, remove os metais que interessam e devolvem o resto todo para o oceano. Esse resto que volta pode conter toxinas como mercúrio e chumbo e não se sabe o quanto esse sedimento pode viajar e quantos ecossistemas ele afetará.
“Essas empresas deveriam estar fazendo levantamentos dos micróbios antes de qualquer coisa. Nós conhecemos apenas uma pequena fração dos micróbios que existem lá embaixo, e é uma péssima ideia mexer com eles antes de sabermos o que eles são e o que eles fazem.” Jeff Drazen, oceanógrafo.
Mas e se essa for a única forma de termos matéria prima suficiente para a produção de baterias necessárias para um futuro sem combustíveis fósseis? Vale a pena o risco de criar um novo problema ao se solucionar outro?
Desastres da semana
Natal com tufão nas Filipinas Casas e lavouras foram destruídas e 41 pessoas morreram na véspera de Natal no que foi o 21° tufão a atingir o país em 2019.
Ano novo com enchente na Indonésia Milhares de pessoas ficaram desabrigadas e mais de 60 morreram na região ao redor da capital do país nos últimos dias e a previsão é de mais chuva. Jacarta é uma das cidades mais propensas a inundação no mundo, principalmente com o aumento do nível do mar devido às mudanças climáticas. No ano passado o governo nacional já havia divulgado planos de mudar a capital para ilha de Borneo como forma de evitar o problema que só tende a piorar. Indonésia e Austrália são duas faces extremas de um mesmo colapso climático, de um lado seca, do outro enxurrada.
Terremotos em Porto Rico Não existe correlação provada entre as mudanças climáticas e a maior incidência de terremotos, mas achei importante falarmos dos vários tremores que acontecem em Porto Rico há mais de uma semana, pois a ilha ainda estava se recuperando dos efeitos do furação Maria de 2017, esses sim exacerbados pelo clima, e se vê novamente em estado de emergência.
E que tal essa chuva em São Paulo?
Clima ameno
Crise climática nas premiações? No último domingo aconteceu em Los Angeles o Globo de Ouro, premiação importante para o cinema e a televisão nos EUA, e o assunto mais falado foi… mudanças do clima! Vários artistas usaram seus discursos de agradecimento para tocar no assunto, muitas vezes citando os incêndios na Austrália, e também pedindo que seus colegas façam mais pela causa e não esqueçam de votar com isso em mente.
O Globo de Ouro abre a temporada de grande premiações e será seguido pelo Grammy, o BAFTA e o Oscar nas próximas semanas. Nos últimos anos temos visto esses eventos, que por muito tempo andavam apáticos, ganharem teores políticos, normalmente focando em um tema central. Teve o racismo com o Oscars so white, e o sexismo com o movimento Time’s up. Será que vai ser a vez da crise climática?
Não foram só os artistas que tomaram posição no domingo. A organização do evento resolveu manifestar sua preocupação com a crise climática através do cardápio, servindo refeições veganas e bebidas apenas em garrafas de vidro. Houve também cuidado com a produção de lixo e a reutilização de materiais de edições passadas, mas como nada é perfeito, as flores usadas na decoração chegaram de jatinho vindo de outros países. UPDATE: O Critics Choice Award, premiação que acontece no domingo, anunciou hoje que também servirá apenas refeições veganas.
Extra: Can Hollywood ever go green? (The Guardian)
Canção para o planeta Ainda no final de 2019, o movimento Famílias pelo Clima - versão brasileira do Parents for Future, de famílias apoiando os estudantes em greve pelo clima - lançou uma música e um vídeo sobre a crise climática, com participação de grandes nomes como Arnaldo Antunes, Céu e MC Soffia.
Por hoje é só. Obrigada por ler o Clímax!
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