Clímax #7: Brasil - o fóssil do ano na COP 25, muitos relatórios e novos New Deals
Olá,
Há pouco mais de uma semana eu estava em Alter do Chão. Sentada às margens do Rio Tapajós tudo o que meus olhos podiam ver era areia, água e floresta. Nem construções nem outros humanos à vista. Em momentos assim fica difícil acreditar que algo não vai bem na natureza. Por ali tudo parece seguir o seu caminho natural. É difícil também lembrar que há poucos meses essas mesmas florestas queimavam, e que há algumas semanas aqui mesmo eram presas algumas das pessoas que ajudaram a apagar o fogo.
É fácil se deixar levar, talvez necessário de vez em quando.
Enquanto isso, começava a COP 25 em Madrid e, embora as negociações em si não tenham trazido nada de novo, uma enxurrada de pesquisas, relatórios, manifestos e declarações em geral foram divulgadas trazendo em sua maioria péssimas notícias.
Está sendo difícil voltar e aceitar a realidade, ainda mais com tantas novas informações, mas espero ter conseguido fazer um bom resumo para vocês. Segurem firme e vamos lá.
Obs.: Fui alertada ontem que com o Novo Acordo Ortográfico Madrid agora se escreve com D no final mesmo em português, portanto começo a usar tal grafia à partir desta edição.
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Brasil na COP
Ilustração de Tom Clohosy Cole, animação de Sean Weston
Perdidos em Madrid A participação do Brasil na COP já começou mal. O Ministro Ricardo Salles resolveu chegar mais cedo na conferência, participando desde a primeira semana o que não é nada comum para uma autoridade do nível dele. Ninguém sabia bem o porquê, apenas que ele dizia querer buscar dinheiro para o Brasil lá fora. Nem mesmo os negociadores brasileiros sabiam o que estava acontecendo ou que papel o ministro tentaria assumir durante as negociações. Já a segunda semana do evento começou com Salles curiosamente aceitando participar de um painel com membros de ONGs brasileiras, mas sem surpreender ninguém, se negando a dar as mãos à outros em minuto de silêncio pela morte de indígenas na Amazônia.
Atravancando as negociações Uma das grandes expectativas da COP 25 era finalmente concluir as negociações das regras do artigo 6 do Acordo de Paris. Esse artigo diz respeito ao mercado de carbono, que é basicamente o que eu expliquei na semana passada sobre carbon offsets mas numa escala mais ampla. Existem dois níveis, um é o nível bilateral, quando países que ultrapassam suas metas de corte de carbono podem vender esse ‘carbono extra que não foi emitido’ como crédito de carbono para outros países que não estão atingindo suas metas. O segundo nível é o de projetos, e aí que entra a iniciativa privada, quando um país pode comprar créditos de carbono de um projeto específico que promove redução de emissões, como a construção de uma usina solar, por exemplo, e não diretamente de outro país. Esse nível é descrito no artigo 6.4 e é nele que encontramos as maiores controvérsias.
Um mecanismo similar ao do artigo 6.4 já existia dentro do Protocolo de Kyoto e o Brasil é um dos 4 países com maior reserva de créditos de carbono dentro daquele acordo. E é esse um dos motivos pelos quais o nosso país é o maior crítico aos detalhes do artigo 6 e considerado o grande responsável por não ter se chegado a acordo nenhum no ano passado. Uma das brigas é para que se mantenham os créditos de Kyoto no novo mecanismo de Paris, pois o governo brasileiro não quer perder a chance de vendê-los, apesar de eles estarem encalhados há muito tempo e valendo pouquíssimo hoje em dia. Mas os outros países argumentam que encher o mercado com créditos de reduções do passado não incentivará cortes no presente. Além disso, esse créditos passados tinham uma diferença, eles precisavam apenas provar que o corte de CO2 era suficiente para compensar a emissão de CO2 de outro lugar, enquanto o novo mecanismo vai além e requer que se prove uma diminuição total das emissões e não apenas a compensação.
Nosso país também se recusa a aceitar a menção à contagem dupla e a mecanismos para preveni-la no artigo 6.4, ou seja, apenas no nível de projetos e não no bilateral. Contagem dupla é quando tanto o país onde o projeto está sediado (vendedor) quanto o país que comprou os créditos (comprador) contabilizam aquela redução de emissões específicas para o cumprimento de suas metas de reduções. Ou seja, o mesmo crédito seria usado duas vezes, superestimando a redução. A razão dada para tal recusa é um tanto estranha, nossos negociadores alegam que a menção à contagem dupla é redundante pois o artigo 6 já diz que os créditos de projetos individuais não podem ser contabilizados nas metas nacionais, e que adicioná-la ao documento é perda de tempo. E aí se perde tempo justamente debatendo colocá-la ou não…
A maioria dos outros países não consegue entender o raciocínio do país e muitas teorias diferentes rolam por aí, mas para muitos, parece que o Brasil usa a questão para ganhar tempo ou para ter uma carta na manga para negociar alguma outra coisa, como os créditos de Kyoto, por exemplo.
Por essas e outras, países em desenvolvimento acusam Brasil de tentar bloquear avanço em negociações do clima. Eles questionam principalmente o foco do país e de outros como China, Índia e Arábia Saudita em cobrar a responsabilidade dos países desenvolvidos pelo seu papel histórico na crise, condicionando suas ações do presente às ações do passado.
Para completar, o Brasil chegou a mesquinharia de se opor à meros detalhes como o uso da expressão “emergência climática” no texto final do evento. Esse texto deveria ser assinado ainda hoje, mas rumores pela COP dizem que as negociações devem se manter até sábado ou domingo. Alguns dos países que mostraram insatisfação foram o Brasil, a China, a Austrália, a Índia e a Arábia Saudita.
Outros pontos do artigo 6 podem ser criticado Há, por exemplo, uma preocupação de ambientalistas e grupos indígenas para que o documento inclua o respeito aos direitos humanos e principalmente direitos indígenas como requisito para a validade dos créditos de carbono.
Além disso, na segunda-feira, mais de 60 organizações assinaram a nota “COP 25 – Não aos offsets florestais no Artigo 6 do Acordo de Paris”, na qual defendem a posição histórica do Brasil contra a inserção das florestas no mercado de carbono e que diz o seguinte:
Por que os offsets florestais são uma falsa solução?
A transformação de florestas em ativos do capital natural, monetizáveis, implica em perda de soberania sobre os territórios, tanto para as populações quanto para o Estado brasileiro. As condições para monitorar os ativos intangíveis dependem de uma gigantesca infraestrutura de monitoramento e controle, inclusive via satélites. A venda destes ativos – o carbono da floresta, do Cerrado e de outros biomas e ecossistemas – para outros países e empresas, terá implicações nos limites da governança e da autodeterminação daqui para frente.
Além disso, os offsets florestais servem como incentivo para países segurarem a ambição de seus compromissos. O Acordo de Paris é baseado em compromissos nacionais determinados voluntariamente por cada governo, e só os cortes de emissões que vão além desses compromissos poderiam ser comercializados em mercados de offsets. Com offsets, quanto mais baixos fossem os compromissos nacionais, mais sobraria para vender, criando um estímulo para a baixa ambição.
Não trazem benefício adicional para a redução de emissões, porque é um jogo de soma zero. Nunca são reduções efetivas, pois o que há é a compensação. O que se reduz por meio da não emissão florestal continua sendo emitido em outro setor.
A venda de créditos de redução de emissões, onde são firmados compromissos de décadas, implicam também na hipoteca do futuro de milhares de pessoas que já nascerão sem que o Estado e os povos em seus territórios possam ter a soberania sobre qual política e ações poderão ser criadas para a proteção e uso de seus bens comuns.
Tiram o foco do enfrentamento aos reais problemas florestais nacionais promovidos por grupos de interesse que querem enfraquecer as políticas de proteção florestal no país, e ainda alimentam o discurso de quem quer solapar a legislação ambiental brasileira.
Fóssil do ano Depois de ganhar alguns prêmios de Fóssil do Dia na COP 25, hoje o Brasil ganhou o prêmio de Fóssil do Ano, ou Fóssil Colossal. A premiação satírica acontece todos os anos durante as COPs e premia aqueles que fazem mais estrago na crise climática ou, como eles colocam: “os países que é melhores em serem os piores, que fazem mais para poder fazer menos, e que se esforçam mais para bloquear o progresso”.
Enquanto isso aqui no Brasil… O presidente assinou uma medida provisória para regularização das propriedades rurais. Chamada por alguns de MP da Grilagem, a medida pode legalizar milhares de hectares de terra invadida na Amazônia. De acordo com o governo, a regularização facilitaria o controle do cumprimento do código florestal evitando, assim, o desmatamento e incentivando o reflorestamento e preservação de áreas da propriedade como consta na lei. Mas a medida legitima o ato ilegal dos grileiros passando a mensagem de que tudo se pode pois no futuro alguém vai legalizar.
Relatório, pesquisas e outras notícias de Madrid
Está faltando oxigênio nos oceanos O aquecimento das águas e a poluição (principalmente por fertilizantes usados na agricultura) estão causando uma perda de oxigênio nos oceanos. Em 1960 apenas 45 regiões oceânicas sofriam com algum tipo de deficiência do elemento, hoje são 700. A falta de O2 já está alterando o equilíbrio do ecossistema marítimo, favorecendo espécies mais tolerantes como a água-viva e afetando espécies maiores e que demandam mais energia, como atum e tubarões. A International Union for the Conservation of Nature apresentou essas descobertas durante a COP na esperança de que se coloque a recuperação dos oceanos como prioridade. Se as emissões de gases de efeito estufa continuarem como estão, é previsto que os oceanos do mundo percam de 3% a 4% de seu oxigênio até o ano 2100.
E eis que na mesma semana a pré-candidata a presidência dos EUA lançou uma proposta justamente priorizando os oceanos, o Blue New Deal, um complemento ao Green New Deal. A proposta, organizada pela biologista marinha Dra. Ayana Elizabeth Johnson, inclui um mercado de carbono do oceano além de acabar com a perfuração para extração de petróleo offshore e com as construções costeiras, e a expansão de práticas de aquicultura regenerativa como o cultivo de algas do tipo kelp (ou laminariales) que não são apenas comestíveis mas também podem ser usadas como fertilizantes e combustível.
O Ártico já está emitindo CO2 O derretimento do permafrost (ou pergelissolo) do Ártico, que armazena cerca de 10 vezes mais carbono do que a Amazônia, está liberando na atmosfera mais gases de efeito estufa do que as plantas da região conseguem capturar. O local virou um emissor de gases e agora não apenas sofre com a crise climática mas também contribui para ela.
Os modelos estavam certos Um estudo verificou 17 modelos climáticos criados de 1970 a 2007 e confirmou que há muito tempo os cientistas têm previsto corretamente o quanto o planeta aqueceria de acordo com o aumento de gases de efeito estufa na atmosfera. Dos 17 modelos estudados, 14 apontavam com quase perfeição a relação da temperatura global e das emissões de CO2.
Migração climática Mais de 20 milhões de pessoas foram deslocadas dentro de seus países por razões climáticas na última década de acordo com um estudo da Oxfam. Na maioria dos casos a mudança foi temporária, mas o alto número alarmou os pesquisadores, assim como o fato de 80% dos deslocados estarem concentrados em países da Ásia. Eventos climáticos moveram a população com uma frequência três vezes maior do que conflitos.
Desastres da semana
Há semanas que a Austrália enfrenta grandes incêndios, os fogos já emitiram quase metade das emissões de gases de efeito estufa anuais do país e o governo não quer falar em mudança do clima além de irritar outros países atravancando negociações na COP.
Enquanto isso, a Nova Zelândia primeiro ficou abaixo d’água e logo em seguida um vulcão entrou em erupção.
Victoria Falls - as cataras de Iguaçu da África - praticamente secou.
Enchentes da África do Sul deixam parte do país sem eletricidade.
Amenizando o clima (ou tentando…)
Um Green Deal Europeu Na quarta-feira a Comissão Européia anunciou um plano para transformar a economia européia e lutar contra a crise climática e no dia seguinte líderes dos países do grupo se encontraram para discutir metas em Bruxelas se comprometendo - com exceção da Polônia - a zerar suas emissões até 2050. O plano promete reavaliar todos os aspectos da economia da União Européia, desde a produção de alimento, o ar que respiramos, os oceanos, até o transporte aéreo e as construções, buscando crescimento, prosperidade e mitigação da crise climática. E inclui também a condição de apenas se fazer comércio com países que cumprirem as suas metas para o Acordo de Paris.
Críticos reclamam que o plano perpetua a ideia do crescimento eterno e que não menciona planos de extinguir a produção de combustíveis fósseis, ou sequer de acabar com os subsídios a eles ou o financiamento para projetos do setor.
Voos mais sustentáveis Na semana passada mesmo falávamos do impacto da aviação no clima e na quarta-feira a primeira aeronave comercial totalmente elétrica fez um teste de 15 minutos de voo em Vancouver. O avião de 6 passageiros pode voar até 160km e pertence a companhia aérea canadense Harbour Air.
Hoje foi meio pesado, né? E ainda nem saiu a conclusão da COP. Semana que vem espero poder ser mais leve.
Obrigada por me acompanhar até aqui!
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