

Discover more from Clímax
Clímax #6 - Especial: voar ou não voar?
Olá,
Eu estava de férias essa semana e precisei escrever boa parte da newsletter com antecedência, por isso ela será temática e sem notícias recentes. Como as férias incluiram uma viagem e dois voos, não haveria assunto melhor a ser discutido do que o impacto das nossas viagens aéreas no clima e o que fazer a respeito. Faço então uma espécie de mea-culpa com meus dilemas e alguns dados para contexto.
Falaremos da COP25, que já começou, somente na semana que vem.
Se alguém te enviou esse e-mail porque você viaja demais ou porque optou por nunca mais pisar em um avião e você se interessou pela newsletter assine-a:


2019 foi o ano em que mais me preocupei com a minha pegada de CO2 decorrente de viagens aéreas, ainda assim, não sei bem como, 2019 foi provavelmente também o ano em que mais voei.
Pelas minhas contas, até o dia 31 de dezembro serão 24 trechos voados. Duas vezes apenas eu consegui trocar voos por outros meios de transporte: um trecho de 19h de trem e outro de 18 horas de ônibus.
Mas afinal, qual é o problema?
A aviação representa 2,5% das emissões anuais do planeta. Parece pouco, mas precisamos lembrar que, diferente de eletricidade ou agricultura, por exemplo, voar é um luxo. É pequena a parcela da população mundial que voa anualmente, menor ainda é o grupo de pessoas que voam com frequência.
Outro problema é que não há solução a curto prazo para as emissões da aviação. Podemos mudar nossos métodos de produção agrícola, ou a nossa matriz energética, mas ainda não há como voar um avião de passageiros sem combustíveis fósseis.
Se você usa pelo menos um voo intercontinental por ano suas viagens provavelmente representam mais de 50% da sua pegada de carbono. No meu caso, sendo vegetariana, não tendo carro e me locomovendo pouco na cidade em um país cuja energia elétrica é proveniente, em sua maioria, de fontes renováveis, de 80 a 90% da minha pegada anual é usada para voar.
Quanto mais eu penso em não voar, mais valor nossa sociedade parece dar ao ato de viajar. Quanto mais pessoas eu vejo se comprometerem a não entrar mais em aviões, mais pessoas eu vejo postando fotos de suas últimas viagens nas mídias sociais.
Me parece que de repente, no momento mais inapropriado, resolvemos vender a ideia de que viajar é a coisa mais importante que podemos fazer, a cura para todos os nossos problemas. Chegamos até a dizer que os nômades digitais eram os trabalhadores do futuro e hoje vejo anúncios por toda internet de gente viajando o mundo ganhando dinheiro ensinando outros a viajar o mundo ganhando dinheiro ensinando… qualquer assunto sobre o qual de repente eles acharam que sabem o suficiente.
Já internalizamos tanto que pode parecer que sempre foi assim, mas não faz tantos anos que o ideal da maioria era comprar mais e não viajar mais. O mercado das “experiências” cresceu e parece ter conquistado quase todo mundo.
E eu não posso me opor a mensagem de que conhecer o mundo é uma coisa boa e que experiências valem mais do que bens materiais, afinal, foi assim que sempre vivi a minha vida. Eu comprei essa ideia ainda criança e sinto que criei a minha identidade em cima disso, sempre achando que a melhor versão de mim é aquela em constante adaptação à novos ares.
Também não posso aceitar a mensagem e me opor a sua mais recente popularização. Ao contrário, sempre quis que todos pudessem ver o mundo, sempre acreditei que isso nos tornaria melhores.
Eu tento não me sentir culpada, eu não estou escrevendo para que você se sinta. Eu sei que nós não podemos nos deixar levar pela narrativa de que a culpa é nossa individualmente. Ainda assim, eu me culpo por ir e também me culpo por ficar, por não ver aqueles que amo com mais frequência já que estão espalhados por aí.
Mas o problema da aviação, além das empresas que só agora demonstram preocupação com o seu impacto, são os viajantes frequentes. E o meu problema é que eu sou um deles.
É sempre difícil se deparar com os seus privilégios e mais ainda se ver pertencente à uma minoria que afeta negativamente uma maioria e, nesse caso, a si mesma.
Eu penso no Princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, estabelecido na Rio 92 e que diz que os países em desenvolvimento têm direito a elevar o padrão de vida de suas populações, portanto precisam gastar recursos naturais, e que os países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e seus efeitos, e me pergunto como se reflete nos indivíduos. Será que eu, que já viajei tanto, não deveria parar justamente para deixar que outros que ainda não fizeram o façam?
“Eu não estou viajando assim porque eu quero que todo mundo faça o mesmo, eu estou fazendo isso para passar uma mensagem de que é impossível viver de forma sustentável hoje e isso precisa mudar. É preciso que se torne muito mais fácil.”
Foi o que Greta Thunberg disse ao chegar em Lisboa depois de três semanas cruzando o Atlântico em um veleiro.
No fim, a maior lição é essa, uma vida sustentável é impossível pois não depende do indivíduo, depende do sistema no qual vivemos. Mas sempre vale a pena avaliarmos nosso impacto para entendermos o que precisa mudar nesse sistema.
Há ainda pessoas que argumentam que o turismo é essencial para descarbonizar a economia de vários países e que o turismo sustentável/ecológico/comunitário ajuda comunidades a manter intacto o ambiente ao seu redor já que não precisam explorá-lo para sobreviver.
Se eu vou parar de voar? Não vejo essa possibilidade em um horizonte próximo. Com família em múltiplas cidades em dois países e amigos pelos quatro cantos do mundo - exceto na cidade onde vivemos - seria um tanto sofrido. Mas pelo menos refletimos intensamente a cada novo plano de viagem, e tentamos minimizar nosso impacto quando possível.
E você, já pensou em reduzir os seus voos ou mesmo parar de voar? Já bateu a culpa alguma vez que esteve no ar?

Como diminuir minimamente o impacto do seu voo?
É muito difícil calcular exatamente quanto emite cada voo, depende de muitos fatores como o tipo de aeronave, altitude, escalas, etc. Mas, em regra geral, alguns detalhes representam mais emissões que outros, por exemplo:
Voar de classe econômica emite menos do que em classe executiva ou primeira classe.
Voos diretos emitem menos pois grande parte das emissões ocorrem durante a decolagem e o pouso.
Uma pesquisa avaliou companhias aéreas americanas e concluiu que as empresas pequenas e locais emitiam menos do que as grandes como American Airlines e United.
A princípio, quanto menos peso uma aeronave carregar, menos combustível precisa gastar e consequentemente, menos emitirá. Por isso, é recomendado que se carregue o mínimo de peso e bagagens possível.
Certas aeronaves foram feitas para serem mais eficientes, como o A320neo da airbus, mas raramente temos a oportunidade de escolher um voo pela aeronave.
Mas e as compensações de carbono (carbon offsets)?
Compensação de carbono é quando você calcula as emissões de alguma atividade, no caso do seu voo, e paga uma taxa (créditos de carbono) para financiar algum projeto que, em teoria, retiraria da atmosfera uma quantidade de CO2 equivalente à que você emitiu. O método mais comum e mais antigo é o reflorestamento.
Mas essa tática levanta algumas questões: Essa árvore seria plantada de qualquer forma mesmo que você não pagasse? Quanto tempo a árvore demorará para crescer e efetivamente capturar uma quantidade relevante de CO2? E mais importante, qual a garantia de que ela ficará de pé e por quanto tempo?
Um estudo da Comissão Européia concluiu que 85% dos esquemas de compensação de carbono falharam em diminuir as emissões de gases.
Críticos argumentam também que essas opções acabam servindo como uma “licença para emitir”, desestimulando as pessoas a mudarem seus hábitos e cancelando uma diminuição concreta das emissões.
Claramente é uma questão super controversa. Pessoalmente, eu prefiro gastar o meu dinheiro para compensação em doações para instituições que lutam por justiça climática, ou em projetos locais que eu possa acompanhar e ver os resultados. Doar para campanhas de políticos que defendem a causa é também uma opção. Ou ajudar pessoas próximas a mudar seus hábitos. Se você tiver grana pode, por exemplo, pagar pela instalação de painéis solares na casa dos seus familiares que jamais tomariam essa iniciativa.
Leitura sobre o assunto:
Até que ponto você deve se sentir culpado pelos gases-estufa de seus voos?, Folha de São Paulo
'Flygskam', a 'vergonha de voar' que preocupa a indústria da aviação na Suécia, Terra
If Seeing the World Helps Ruin It, Should We Stay Home?, NYT
Can we have net zero emissions and still fly?, The Guardian
Just how bad is my air travel for the climate? And what should I do?, Bulletin of the Atomic Scientists
Love and long-distance travel in the time of climate change, Grist
Flight shame: Climate-conscious migrants face environmental dilemma, DW
What if All That Flying Is Good for the Planet?, NYT
'I feel guilty about flying, but I have a sick relative and a wedding coming up. Help!', Yale Climate Connections
Carbon offset gold rush is distracting us from climate change, Financial Times

Se você chegou só agora e quer ler os e-mails anteriores é por aqui: