Clímax #5: 407,9 ppm, 3,2C, 7,6%, os novos números da crise
Olá,
O Clímax chegou mais cedo porque hoje, dia 29, tem greve pelo clima ao redor do mundo e quem sabe dá tempo de você se animar e se juntar. Em São Paulo acontece no Largo da Batata à partir das 16h, para outras cidades você pode buscar na internet. Aproveito para lembrar também que não é porque hoje é black friday que você precisa comprar alguma coisa, viu?
Nós já estamos nas vésperas da COP25 em Madri e os cientistas estão se esforçando para divulgar o maior número possível de pesquisas e relatórios sobre a crise climática na esperança de influenciar as negociações no evento.
Falaremos dos resultados da conferência apenas quando ela estiver terminando, daqui duas semanas, pois semana que vem estou de férias e teremos um Clímax temático e atemporal. Espero que teremos boas notícias na volta.
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Climão da semana
Um planeta 3,2 graus mais quente está logo ali É esse o aquecimento que veremos até 2100 caso sejam cumpridos os compromissos que os países fizeram no Acordo de Paris, ou seja, eles são claramente insuficientes. Foi o que afirmou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em seu Relatório da Lacuna de Emissões 2019 lançado na última terça-feira. Acontece que a maioria dos países sequer está no caminho certo para cumprir tais compromissos, assim, a possibilidade de mantermos o aumento da temperatura abaixo dos 1,5C, meta do acordo, está cada vez mais fora de alcance. Para conseguirmos será preciso que as emissões caiam 7,6% por ano na próxima década.
A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera bateu novo recorde em 2018, chegando a 407,9 partes por milhão. É o que diz a Organização Mundial de Meteorologia em um relatório recém divulgado. O maior salto foi de óxido nitroso, gás produzido, por exemplo, pela queimada de florestas.
Tipping points Em um artigo publicado na revista Nature cientistas nos alertam para a possibilidade de já termos ultrapassado algum tipping point (ponto de inflexão), quando impactos específicos das mudanças climáticas se tornam irreversíveis, como o desmatamento da Amazônia ou degelo do permafrost. Os autores nos dizem também que se um ponto de inflexão for alcançado ele pode iniciar um efeito em cascata que acionaria os outros. E embora já possa ser tarde demais para evitá-los, nunca é tarde para adiá-los. Portanto, o artigo reforça a necessidade de se declarar uma emergência climática e agir o quanto antes.
Coincidência imediata Um dia após a publicação do artigo o Parlamento Europeu declarou emergência climática e ambiental.
O carvão também já sabia Já estabelecemos que a indústria do petróleo sabe do impacto de suas atividades no aquecimento do planeta há muitos e muitos anos. Nos anos 80, por exemplo, os cientistas da Exxon conseguiram prever com quase exatidão o nível de CO2 que teríamos na atmosfera em 2018 e a mudança de temperatura resultante o que, é claro, ficou entre eles. Mas a recente descoberta de uma revista de um congresso de mineração em 1966 nos mostra que a indústria do carvão não estava para trás. No texto encontrado já se previa o derretimento das calotas polares e a inundação de cidades como Nova York por conta do aumento do nível do mar. Não é que alguém ainda achasse que a indústria do carvão fosse inocente, mas esse tipo de prova pode abrir espaço para ações judiciais semelhantes às que estamos vendo com as petroleiras.
Refletir e discutir
Você não precisa de um novo celular, você precisa é ter o direito de consertar o que você já tem.
Jessa Jones era uma dona de casa, mãe de 4 e doutora em genética molecular que hoje é famosa mundialmente por consertar telefones celulares. O que isso tem a ver com a crise climática?
Um novo estudo conduzido em uma universidade canadense analisou o impacto de celulares e computadores na atmosfera e concluíram que as emissões de CO2 do processo de produzir um celular (smartphone), incluíndo a mineração necessária para seus componentes, são equivalentes as emissões de recarregar e operar o mesmo aparelho por uma década.
Não é nenhuma novidade que quanto mais tempo um aparelho é usado, seja ele qual for, mais eficiente ele é. Inclusive, estudos mostram que usar o seu carro movido a gasolina é muito melhor para o meio ambiente do que comprar um carro elétrico novo. O que já existe e não precisa ser produzido é quase sempre melhor.
O problema é que as empresas contam com as novas compras para o seu lucro e, assim, esperam sempre que você continue trocando o que já tem por algo novo. Obsolescência programada é algo que todos nós já conhecemos, e as táticas hoje são muitas, não só os produtos são feitos para durarem menos, mas novos modelos são lançados anualmente para criar o desejo por algo diferente, atualizações são liberadas o tempo todo para que não sejam aceitas por modelos mais antigos e, cada vez mais, os produtos são feitos para que não possam serem consertados. Isso vai desde componentes grudados aos outros para que não possam ser separados à criação de parafusos específicos e indisponíveis para que os aparelhos não possam ser abertos fora da empresa original e até descaradas mentiras. E a Apple é a rainha dessas táticas.
Voltamos então para Jessa Jones. Jessa é famosa por recuperar iPhones e iPads que ninguém mais consegue e que a Apple jura que são absolutamente irrecuperáveis. Ela não apenas faz funcionar aparelhos que pareciam mortos, mas também trabalha com recuperação de dados de aparelhos que realmente não irão mais funcionar. Essa parte do trabalho costuma ser muito emocional, ela já recuperou fotos de aparelhos encontrados em destroços de quedas de aviões, ou no bolso de uma vítima de assassinato em um crime de ódio.
Imagine querer acesso as últimas memórias (fotos, vídeos, gravações) de alguém que você ama e que partiu e a empresa que produziu o aparelho onde elas estão armazenadas te dizer que é impossível e que nem tentarão, e aí você descobre que uma mulher em uma lojinha própria, sem autorização ou qualquer treinamento da empresa consegue acessa-las. Fica difícil acreditar que a empresa que desenha, produz e vende o produto realmente acha que não conseguiria fazer o mesmo, não é?
Essas táticas antiéticas das empresas impulsionaram o movimento pelo direito ao reparo (right to repair), forte principalmente nos Estados Unidos - onde leis para implementá-lo estão sendo debatidas em mais de 20 estados - e na União Européia que recentemente aprovou novos padrões de disponibilidade de reparo para eletrodomésticos (não inclui celulares).
O que precisa mudar para que tenhamos verdadeiro direito ao reparo dos produtos que compramos? O problema já começa no projeto e na produção dos aparelhos, é preciso pressão nos fabricantes para que produzam aparelhos com partes facilmente desmembráveis e substituíveis. Isso é importante também para o descarte desses componentes que muitas vezes são tóxicos, se eles podem ser separados eles podem mais facilmente ser também reciclados.
O próximo passo é que se garanta a disponibilidade dessas peças para a substituição. O conceito de assistência técnica autorizada também precisa acabar e o acesso a softwares de diagnósticos deve ser amplo.
É possível. O Fairphone, por exemplo, já o faz.
Assim, da próxima vez que o seu iPhone cair na privada e o truque do arroz não funcionar a Apple não vai poder te dizer que não tem jeito (spoiler alert: tem sim, e às vezes você gasta só $40) e te empurrar um novo modelo. Você vai poder fazer uma escolha mais econômica sem aumentar a sua pegada de carbono.
Amenizando o clima
Reservatórios de carbono nadando por aí O número de baleias jubartes no Brasil saltou de 400 para 17 mil em 60 anos. Isso é particularmente bom porque as grandes baleias, como a jubarte, armazenam CO2 no seu corpo. Quando vivas, elas fertilizam os oceanos com seu excremento super nutritivo, estimulando o crescimento de fitoplâncton e algas que também sugam CO2. E quando morrem, sua carcaça afunda e o carbono fica preso no fundo do mar sem voltar para a atmosfera. O papel delas é tão importante que o FMI conduziu uma análise para determinar o seu valor. De acordo com eles, uma baleia vivendo sua vida tranquila pode valer até 2 milhões de dólares ao longo da vida. Eles também estimam que se ajudássemos as baleias a voltar a sua população pré-comercial, elas poderiam capturar 1,7 milhões de toneladas de CO2 por ano, mais do que as emissões anuais do Brasil.
Músicos tomam partido Primeiro foi o Coldplay que anunciou uma pausa em suas tours de shows até que consigam fazê-las de forma menos prejudicial ao meio ambiente. Agora o Massive Attack se juntou à pesquisadores de uma universidade britânica para analisarem a pegada de carbono de suas tours e encontrarem formas de diminuí-las. Outros como Billie Eilish, The 1975, Pearl Jam, Adele e Jack Johnson também estão buscando alternativas para diminuir a emissão de seus shows.
Natal consciente Em uma pesquisa sobre consumo de natal no Estados Unidos, 48% das pessoas falaram que consideram comprar roupas de brechó para dar de presente e 56% disseram que ficariam felizes em ser presenteados dessa forma. E você, já conseguiu se desvincular do consumo excessivo do final de ano? Por aqui somos da turma que não presenteia ninguém.
Até porque, consumir menos e ser ativista pode te deixar mais feliz. Uma pesquisa comparando a pegada de carbono e o bem estar de membros de grupos de ativismo ambiental com a de não membros das mesmas regiões - na Itália, Espanha, Romênia e Alemanha - concluiu que os ativistas não têm apenas uma pegada menor mas têm também um nível satisfação com a vida maior do que seus compatriotas.
Desastres da semana (sorry!)
Fortes chuvas no Quênia provocam deslizamento com pelo menos 29 fatalidades.
Chuvas e enchentes atingem também França, Grécia e Itália.
Bom final de semana!
Os países chegando na COP25 carregando suas NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada).
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