Clímax #4: Eco-ansiedade, pecado e contas que não fecham
Olá,
Nesta semana eu quis focar mais nas discussões do que nas notícias. Se a crise climática te traz tristeza, raiva, culpa ou ansiedade, se prepara que começamos falando disso. Também tem dica de livro no final.
Ah, vocês não são apegados ao formato do Clímax, né? Porque a princípio ele vai continuar sendo flexível até que algum de vocês me diga algo do tipo “uau, esse é o único formato possível no planeta, por favor não mova uma vírgula nunca mais”. Ou seja, provavelmente para sempre.
Aproveito para lembrar que vocês podem sempre me enviar seus comentários, dúvidas e crises existenciais, basta responder o e-mail.
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Refletir e Discutir
“Eu me sinto cúmplice apenas por existir, afinal, eu pertenço a espécie que está destruindo a maioria das outras (espécies).” *
Se você está prestando atenção no assunto então a crise climática provavelmente já afetou a sua saúde mental. Talvez você tenha sentido apenas uma pequena ansiedade ocasional ao pensar no futuro, ou talvez viva um desespero constante. Eco-ansiedade tem sido o termo mais usado para designar esses males e já existem pesquisas à respeito e pessoas se especializando no assunto cuja demanda só tente a crescer.
No final de semana, associações de psicologia de mais de 40 países, incluindo a Sociedade Brasileira de Psicologia, assinaram em Lisboa uma declaração se comprometendo a aplicar as ciências psicológicas no combate às mudanças climáticas. Esse compromisso não se limita a tratar os impactos da crise na saúde mental, mas também envolve usar os conhecimentos de psicologia para entender por que reagimos à crise (ou melhor, não agimos) da forma que temos feito, e pra criar estratégias para mudar esse comportamento.
Já do outro lado do divã, a jornalista Cara Buckley participou de um workshop sobre como ter esperança e alegria em meio a crise climática e *escreveu um texto contanto sua experiência não só com o evento mas também com a ansiedade que a levou até ele.
No workshop Cara não falou apenas com eco-psicólogos mas também com ativistas, ecologistas e budistas, e em certo momento ela reflete que
Sentir-se conectado - com outros, consigo mesmo - é um antídoto para os sentimentos difíceis que nos distraímos e nos anestesiamos para tentar evitar.
Eu concordo muito com isso e é uma das razões pelas quais comecei essa newsletter, para me conectar com você, leitor, na esperança de que possamos, assim, dividir nossas angustias. E a ideia de conexão se extende também à natureza e essa é a parte que mais me toca. Cara ouve de um dos facilitadores do workshop que
(…) a crise pode nos forçar a curar a nossa relação com o mundo natural, e não há espaço nisso para o desespero.
e essa experiência a faz olhar mais ao seu redor e apreciar o que ainda existe, as árvores, os pássaros, os alimentos que nos sustentam todos os dias. E se podemos achar algum resquício de lado bom na crise é isso, é a reconexão com a natureza, é reencontrarmos o nosso papel nela e nos sentirmos gratos pelo que ainda podemos experimentar.
Ainda que essa noção de pertencimento ao todo traga culpa e tristeza em ver que estamos destruindo a nós mesmos, ela também traz consigo um entendimento de que a vida sempre continua, ainda que não seja a nossa, e que por maior que seja o mal que façamos a Terra, a nossa simples existência nela de alguma forma colaborou para a sua continuidade, mesmo que termine na nossa própria extinção.
Isso me lembra de uma frase da Dra. Kate Marvel que sempre enche meus olhos de água. Falando sobre como tudo aponta para uma tragédia climática iminente ela diz
Mas eu sou cientista, o que significa que eu acredito em milagres. Eu vivo em um. Nós somos vida improvável em um planeta perfeito. Nenhum outro lugar no universo tem cantos ou montanhas perfeitas ou pequenos e maravilhosos jardins. Uma flor em um jardim é uma coisa fantástica, enraizada no solo formado por pedras antigas quebradas por eventos meteorológicos. Ela respira raios de sol e dióxido de carbono e cria seu alimento como que por mágica. Para a flor existir uma confluência de coisas extraordinárias precisa acontecer. É preciso terra e ar e luz e água, na proporção correta e na hora correta. Arranque uma, isole-a e a veja murchar. Flores, como pessoas, não crescem sozinhas.
Eu sei que eu nunca mais vou olhar para os detalhes da natureza sem uma boa dose de melancolia, mas agora eu aprecio esses sentimentos, eu encontro prazer em alegria nessa conexão, mesmo que ela seja sofrida. E isso me traz uma certa paz.
Se isso faz sentido para você também, no final dessa newsletter eu dou uma sugestão de livro que você pode gostar.
E você, se sente pra baixo também às vezes? O Clímax te põe pra baixo? O que te dá esperança?
Amenizando o clima
Seria Greta Thunberg uma viajante no tempo que veio para nos salvar? 🤔
Foto de 1898 do também sueco Eric Hegg mostrando três crianças trabalhando em uma mina de ouro no Canadá.
Climão da semana
Ecocídio: crime e pecado Em uma conferência sobre justiça, o Papa Francisco declarou que o Vaticano está planejando incluir o pecado contra a ecologia no Catecismo da Igreja Católica. Ele também pediu a comunidade internacional que reconheça o ecocídio como crime contra a paz.
Amazônia cada vez menor Na segunda-feira foram divulgados os dados do desmatamento anual (agosto 2018 - julho 2019) na Amazônia e o aumento foi de 29,5%, o maior crescimento em mais de 10 anos. Teve declaração do presidente dizendo que desmatamento é cultural e não acabará e teve também ministro do meio-ambiente anunciando que (depois de um ano cargo, só agora) tem intenção de reduzir o desmatamento no ano que vem.
Promessas vazias, barris cheios Os projetos de extração de combustíveis fósseis dos países signatários do Acordo de Paris para os próximos 10 anos emitirão 53% mais gases de efeito estufa do que seria permitido para manter o aquecimento global abaixo dos 2C, o objetivo do próprio acordo, e 120% mais do que o limite para nos manter abaixo de 1,5C. É isso que diz um relatório da UNEP (o programa de meio-ambiente da ONU) em conjunto com outras instituições divulgado essa semana. A maior parte das emissões extras virá da extração de carvão, principalmente na China. Aqui no Brasil temos nossos próprios exemplos com a extração do pré-sal (sobre o qual falamos no Clímax #2) e o projeto da Mina Guaíba nos arredores de Porto Alegre, projetada para ser a maior mina a céu aberto do país. As contas não fecham.
Desastres da semana (sorry!)
A Austrália continua queimando.
Grande enchente no norte da Inglaterra.
E, ainda que não seja efeito da crise climática, só pra ninguém esquecer: o petróleo continua chegando às nossas praias.
Biblioteca Clímax
The Overstory de Richard Powers
Esse romance ganhador do Pulitzer escrito pelo americano Richard Powers infelizmente parece não ter sido publicado em português ainda, mas, com o sucesso que teve, acredito que deve acontecer em breve.
The Overstory é um livro sobre árvores, mas é também um livro sobre humanos, e principalmente sobre a conexão entre criaturas aparentemente tão distintas. A história conta com 9 personagens principais, mas as árvores podem ser consideradas o décimo elemento.
Powers nos ensina que as árvores são sociais, se relacionam, se comunicam, se ajudam e provavelmente sabem muito mais do que nós pois assistiram toda a história da humanidade. E nos mostra a reação humana daqueles que realmente se permitem entender.
Como bem colocou meu marido, o que o livro faz de melhor é nos dar um senso do que significa pensar no planeta em uma escala de tempo maior que o da humanidade, o que é muito importante quando consideramos as mudanças climáticas.
É melancólico, com certeza. E pode provocar reações opostas. Para alguns o que fica é a sensação de nossas vidas serem insignificantes por sermos tão pequenos nesse sistema que chamamos de Terra. Para outros, e aqui me incluo, a sensação é de pertencimento e de imenso orgulho e gratidão por fazer parte de algo tão bonito e por dividir a vida com criaturas tão incríveis como as árvores.
Obrigada por ler. Até semana que vem!
Não foi isso que eu quis dizer quando falei em romance sobre árvores mas quem sou eu pra julgar…
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