Clímax #31: agosto foi um ano que passou rápido
+ influencers, retomada verde no Brasil, chuva de dados e desastres
Olá,
Faz tempo né? Quem segue o Clímax no Instagram soube que eu tive que me afastar do computador por um tempo por conta de uma crise de tendinite. Estou voltando aos poucos. Hoje trago só algumas reflexões soltas sobre o que estava passando pela minha cabeça nesses dias de isolamento ainda mais isolado, além de um apanhado de desastres e outro de notícias do Brasil.
Agosto terminou e acho que pela primeira vez eu não vi ninguém reclamar que durou demais, mas ao mesmo tempo tanta coisa aconteceu em um mês. Dá para acreditar que a explosão no Líbano, por exemplo, aconteceu há menos de 30 dias?
Em termos de desastres ambientais agosto também foi cheio. A maioria deles desastres meteorológicos, que são intensificados e se tornaram mais frequentes pela mudança do clima. Parece que onde não havia fogo, havia água. Teve vazamento de óleo, vulcão em erupção, furacões (quase que dois ao mesmo tempo no mesmo lugar), plataformas de gelo desaparecendo, recorde de temperatura, ondas de calor extremo, onda de frio histórica. Foi em agosto também que soubemos que 28 trilhões de toneladas de gelo foram perdidos desde 1994, e que o derretimento de gelo na Groenlândia já é irreversível. Ah, e tudo isso ainda sob a ameaça de um vírus, e envolto em crise política e econômica por todos os lados.
Para setembro já temos tempestades se formando, duas no Atlântico, perto de Belize, e duas no Pacífico, em direção ao Japão e Coréia do Sul. Sem contar que muito do que começou em agosto, ou mesmo antes, continua. Os fogos e as chuvas não pararam. Os incêndios no Ártico, que queimam desde janeiro, só este ano já emitiram a mesma quantidade de CO2 que a Espanha emitiu no ano inteiro de 2018.
É curioso pensar que por um tempo eu tinha uma seção na newsletter chamada desastres da semana, onde eu listava as últimas catástrofes ambientais pelo mundo. Agora parece que viver é um desastre constante.
Os desastres mais intensos de agosto: maiores danos, recordes e eventos sem precedentes.
É crise sobre crise. Catástrofe se sobrepondo a outras catástrofes. Desastres que fomentam ou provocam mais desastres. Exatamente como dizemos que será o nosso futuro com a crise climática. Será? Ou já é?
Eu tenho refletido muito sobre como é difícil tratar da crise climática como um problema que é do futuro, mas que também pertence ao presente. Eu percebi que a minha tendência é separar a crise como se fossem duas, a crise do futuro, que virá caso não agirmos corretamente, e a crise de agora que provoca esses eventos extremos tão frequentes. Racionalmente é claro que eu entendo que o problema é um só, mas na prática eu não sei se eu consigo de fato enxergá-lo e descrevê-lo como o processo continuo que é. Me parece que talvez haja um medo de que, se a crise for uma só, corremos o risco de achar que não é tão ruim assim, afinal, ainda estamos aqui e a cada novo desastre vamos avançando a linha limite do que consideramos aceitável. Por outro lado, admitir que é tudo parte de um mesmo processo pode nos levar a achar que já não há mais solução. Ou seria apenas uma dificuldade de pensar a longo prazo? Sigo pensando na melhor forma de tratar o tema, mas parece que falta vocabulário.
Há outro assunto que também não tem saído da minha cabeça, mas talvez o que escrevo a seguir seja mais um desabafo do que qualquer outra coisa.
Na semana passada, esbarrei no perfil de uma influenciadora do Instagram que passava as férias no Pantanal ao mesmo tempo em que a região queimava — e segue queimando — como nunca antes. Nas fotos apenas bons momentos e belas paisagens. Passeios à cavalo, piscinas, aviões particulares, vinho e divulgação de marcas de roupa. Nenhuma menção aos fogos ou à fumaça que só poderia estar por perto.
Naqueles mesmos dias, meu marido também estava no Pantanal, cobrindo os incêndios. O contraste entre as fotos e vídeos que eu recebia dele, e as imagens naquele perfil do Instagram me deixou estarrecida.
Pantanal na semana passada.
Eu já falei aqui várias vezes sobre como a desigualdade social implica em desigualdade de consumo de energia, de emissões e do impacto ambiental. Os mais ricos são muito mais responsáveis pela destruição do planeta do que todos nós juntos, mas são eles também os menos impactados pela destruição que causam.
O mundo paralelo no qual eles vivem, onde se pode consumir sem sentir o impacto do seu consumo, ficou ainda mais claro ao olhar aquele perfil. Para a família ali retratada as queimadas realmente não existem, nem a pandemia ou a crise climática.
Já é absurdo vivermos em uma sociedade onde a disparidade é tanta que as pessoas podem viver dessa forma, mas há um elemento distópico no fato de hoje essas pessoas ganharem mais dinheiro justamente por mostrarem que não vivem como os outros. A cada foto subindo no seu jatinho particular — que a influenciadora parece postar pelo menos uma vez por mês — mais seguidores ela ganha, mais posts publicitários ela vende. Ser rico é, em si, um negócio lucrativo.
O que me surpreende não é que exista público para isso, não há nada de novo aqui, mas sim que ainda não tenhamos sido capazes de fazer essas pessoas se sentirem culpadas ou, no mínimo, com vergonha do seu estilo de vida super impactante. Pelo contrário, os incentivamos com nossos olhares, likes e comentários.
Talvez eu viva em uma realidade paralela também, mas nela lidamos constantemente com culpabilização e julgamento. Eu vejo essa culpa e medo do julgamento em cada pessoa com quem começo uma conversa sobre a crise climática, e os vejo em mim mesma também. Muitas vezes isso se torna a barreira que não permite que a conversa siga, algumas pessoas fazem o que podem para fugir do assunto com medo de serem confrontadas pelos impactos de suas ações cotidianas. A última vez que viajei de férias, por exemplo, fiquei na dúvida se deveria ou não postar fotos do passeio na minha conta fechada e de poucos seguidores, com medo de estar promovendo um comportamento meu que eu mesma tenho questionado pelo seu impacto. Por que esses questionamentos estão se popularizando entre nós mas não entre os mais abastados?
Não estou dizendo que nós devemos parar de nos questionar porque quem realmente deveria se sentir assim não o faz. Esse meu desconforto faz parte de mim e eu o acho muito importante. Não confio em ninguém que se sinta 100% confortável no mundo em que vivemos. Porém, não consigo mais aceitar que algumas pessoas tenham o luxo de não pensar no assunto. A guilhotina já foi usada por menos.
Houve muita discussão sobre o que iria acontecer com esse mercado dos influenciadores de estilo de vida durante (e após) a quarentena. Como venderiam uma vida excepcional se só poderiam ficar em casa como o resto de nós? Ao mesmo tempo, como continuar esbanjando casas enormes e luxuosas enquanto todo mundo está preso em apartamentos minúsculos ou, pior, tendo que sair para trabalhar no meio de tudo isso?
Disseram que a pandemia estava fazendo o público questionar mais o comportamento de influenciadores e celebridades, que havia justamente escancarado esse abismo de desigualdades sociais e privilégios, e de fato vi muitas críticas no começo. Mas assim como a fadiga do isolamento, talvez tenha rolado uma fadiga do questionamento. A ostentação voltou a ser aceita e as revistas de fofoca de Hollywood voltaram a falar dos novos romances das celebridades passando férias em destinos exóticos pelo mundo sem mais comentar que essas viagens sequer deveriam estar acontecendo.
Já não é mais com a influência ao consumo que eu me preocupo, até porque, o padrão de consumo apresentado é inalcançável por aqueles que os acompanham, o que me preocupa é que no fundo eles estão nos influenciando a não enfrentar a realidade.
Brasil em agosto
Além dos fogos, agosto foi também um mês de chuva de dados ambientais no país, e das já costumeiras trapalhadas e jogos políticos, como o vai-e-vem (e o susto) da última sexta-feira com a suspensão das operações contra desmatamento por falta de verbas, ou a questão do satélite de R$ 145 milhões que o Ministério da Defesa pretende comprar para monitorar a Amazônia, mas cujo tipo de imagens nós já temos acesso de forma gratuita, de acordo com especialistas.
Ficamos sabendo também que:
A transição para uma economia de baixo carbono no Brasil pós-pandemia faria o país crescer mais nos próximos dez anos e criaria 2 milhões a mais de empregos do que o modelo de desenvolvimento atual, tudo isso reduzindo emissões de gases de efeito estufa, é claro. É isso que diz o estudo “Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a construção de uma economia mais eficiente e resiliente para o Brasil”, coordenado pela WRI Brasil.
Totalmente na contramão, no dia 13, o Congresso Nacional aprovou proposta que prevê a transferência de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para expandir rede de gasodutos no país. É usar dinheiro oriundo de combustíveis fósseis para subsidiar mais combustíveis fósseis. E nesta semana, já em setembro, a Câmara dos Deputados aprovou a PL 6407/2013, o novo marco regulatório do gás natural, ou Lei do Gás, que pretende ampliar a demanda e a oferta do combustível por aqui.
Também tivemos muitos dados sobre desmatamento, como o novo levantamento do Mapbiomas indicando que a agropecuária foi responsável por 90% da perda de vegetação natural do Brasil entre 1985 e 2019. Perda essa que significa uma área equivalente a de 573 cidades de São Paulo.
Já a nova base de dados lançada pela Forest and Finance, nos mostra quem está financiando esse desmatamento. No Brasil, o Banco do Brasil é, de longe, o maior credor de empresas com risco de desmatamento, tendo fornecido US$ 30 bilhões a elas desde 2016, especialmente para as indústrias de carne bovina e soja.
Se está ruim, pode sempre piorar. Foi encaminhado ao Congresso o Projeto de Lei Orçamentária para 2021 prevendo uma redução de R$ 184,4 milhões (queda de 5,8%) no orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Já o Ministério da Defesa, atualmente no controle da operação Verde Brasil em conjunto com o vice-presidente, terá um aumento de 1,9% na sua verba.
Até a próxima.
Não fique deprimido, fique com raiva!
Hey, você aí, já checou as edições antigas do Clímax?