Clímax #3: O fogo na Austrália, Bolívia e o papel dos bancos
Olá,
Espero que você esteja curtindo o feriado. Essa semana a crise na Bolívia dominou as notícias, e não cabe ao Clímax discutir a política, mas resolvi abordar o país no que diz respeito ao clima com uma espécie de perfil do seu papel na crise climática. Temos também o conteúdo de sempre e um pouquinho de comédia no final para dar uma animada.
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Climão da semana
Bancando o desastre A Federal Reserve americana, órgão equivalente ao nosso Banco Central, teve sua primeira conferência sobre mudanças climáticas na última sexta-feira. O evento segue o exemplo do seminário “Podem os banco centrais lutar contra as mudanças climáticas?”, parte das reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional em Washington em outubro. Os bancos centrais não tem poder para interferir em políticas climáticas, sua responsabilidade é de conduzir políticas monetárias e regular o sistema bancário, mas esses eventos mostram o quanto as mudanças do clima se tornaram um risco econômico importante. De acordo com um oficial presente na conferência da semana passada, o custo de desastres relacionados às mudanças climáticas nos EUA nos últimos 5 anos ultrapassou 500 bilhões de dólares. Já na Inglaterra, o presidente do banco central inglês, o Bank of England, deu uma entrevista para o The Guardian no mês passado afirmando que “Empresas e indústrias que não estão caminhando em direção a zerar suas emissões de carbono serão punidas pelos investidores e irão a falência” e que “Quanto mais se atrasar as ações para reverter as emissões, maior o risco de um colapso financeiro abrupto”. Para completar, o banco HSBC divulgou um estudo que prevê que o gasto dos países de mais rápido crescimento (o que inclui o Brasil) com saúde pública pode alcançar 10 trilhões de dólares por ano até 2050 devido aos efeitos da crise climática. Por que isso é importante? Porque quando toca no bolso as pessoas escutam e, com sorte, talvez agora as pessoas certas comecem a escutar. Update: O European Investment Bank (EIB), a instituição financeira da União Européia e maior banco público internacional do mundo, anunciou ontem que vai parar de financiar a maioria dos projetos de combustíveis fósseis.
Fogo sem fim Grande parte da Austrália está pegando fogo há dias e o chefe dos bombeiros diz que pode levar meses até que todos os incêndios sejam controlados. O país está acostumado com fogos em estações de seca, mas as mudanças climáticas estão piorando a situação e os eventos desse ano são fora do comum e mais cedo do que o esperado. Na segunda-feira, pela primeira vez na história, não caiu uma gota de chuva sequer no país inteiro e a previsão é de que a seca continue com temperaturas acima do normal e ventos fortes que espalham o fogo, além da possibilidade de relâmpagos secos (que acontecem sem chuva) que podem iniciar novos focos de queima. E o verão ainda nem começou. Por que isso é importante? A deteriorização dos padrões de incêndio, visíveis na Austrália e na Califórnia, refletem os modelos de cientistas quanto ao efeito das mudanças climáticas. Nos últimos 100 anos a temperatura média da Austrália já aumentou em mais de 1C, e nos últimos 50 anos a quantidade de chuva nos meses de maio a julho caiu em 20%. A situação no país parece confirmar as previsões e olhar para lá pode ser olhar para o nosso próprio futuro. Ah, e se nada mais te toca, tem também os coalas em perigo.
Saúde infantil em perigo As mudanças climáticas trarão grandes desafios para a nossa saúde e um novo relatório publicado pela revista especializada The Lancet aponta que os piores efeitos serão sentidos pelas crianças. “A cada grau de aquecimento, toda criança que nasce hoje enfrentará um futuro onde sua saúde e bem-estar será progressivamente afetado pela realidade e os perigos de um planeta mais quente”. Por que isso é importante? 👇
O que a Bolívia tem a ver com o clima?
No Clímax nós falamos de clima, então não espere uma análise da questão política na Bolívia. Mas como se está falando muito do país, é interessante falarmos do seu papel contraditório na crise climática.
Na esfera internacional, a Bolívia teve um certo destaque nas discussões climáticas, principalmente criticando e se opondo à compromissos ineficientes sugeridos por outros países. Na desastrosa COP15, sediada em Copenhagen em 2009, o país se recusou a aceitar um acordo desenhado por apenas um pequeno grupo de países (que incluíam o Brasil), e na mesma ocasião Evo Morales junto com Hugo Chavez causaram furor ao reivindicarem coisas que são lugar comum hoje em dia, como investimento de bilhões por países mais ricos como forma de reparação pelo seu papel na crise. Evo ainda propôs a criação de uma corte internacional para julgar país por crimes climáticos, um referendo mundial para que o povo pudesse decidir sobre a preservação do planeta, e pediu aos outros líderes que aumentassem suas ambições para limitar o aumento da temperatura média em 1,0C ao invés dos 2,0C que foi acordado na época.
No ano seguinte, a Bolívia organizou a Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra em Cochabamba, como um contraponto mais democrático a COP, com discussões abertas e grande participação de organizações não-governamentais do mundo todo. No mesmo ano de 2010, o país reivindicou a renovação do Protocolo de Kyoto - o que não aconteceu até 2012 - e, durante a COP16 em Cancún, novamente se opôs ao compromisso acordado entre os países, considerando-o insuficiente e equivalente à “ecocídio e genocídio”. Muitas das propostas do time de negociação do país não são mais vistas como radicais e influenciam inclusive o Green New Deal. Além disso, a ideia que a Bolívia e os outros países da ALBA sempre defenderam, vinculando a crise climática ao capitalismo, é hoje em dia muito bem aceita.
Entretanto, não houve esforço do país para diminuir suas próprias emissões ou se desvincular da dependência por combustíveis fósseis. O gás natural é uma das suas maiores fontes de energia e também seu maior produto de exportação, sendo a Petrobras um dos seus grandes clientes. A crise política, inclusive, pode afetar o fornecimento e o preço do gás no Brasil. Embora o gás natural emita de 50 a 60% menos dióxido de carbono do que o carvão, e tenha sido visto por muito tempo como a grande solução para a transição para uma economia de baixo carbono, sua produção e principalmente seu transporte por gasodutos (como Gasbol, Brasil-Bolívia) resulta em vazamentos de metano, um gás muito mais potente do que o CO2. Em 2013, o governo passou uma lei permitindo a exploração de óleo e gás em suas áreas de proteção, incluindo o parque nacional Madidi que abriga 11% das espécie de pássaros do planeta.
Curiosamente, havia sido aprovada um ano antes, em 2012, a Lei Marco da Mãe Terra e Desenvolvimento Integral para Viver Bem, claramente violada pois ela:
Condena a mercantilização das funções ambientais da Mãe Terra, as quais considera “dons” naturais, e obriga a prevenir e evitar danos ao ambiente, à biodiversidade, à saúde humana e aos valores culturais intangíveis. O capítulo IV estabelece um contexto institucional sobre mudança climática, que se baseia na Autoridade Plurinacional da Mãe Terra.
Ainda no lado da luta para controlar as mudanças do clima, o país é também parte da solução tecnológica para a transição de uma economia de combustível fóssil para uma economia limpa. Junto com Chile e Argentina, a Bolívia forma o Triangulo do Lítio que detém 80% das reservas do metal do mundo. Embora, no momento, o maior produtor seja a Austrália. O lítio é atualmente parte fundamental das baterias de veículos elétricos que por sua vez são essenciais para eliminarmos os combustíveis fósseis de nossas vidas. Calcula-se que o país tenha a maior reserva do metal no mundo, com estimativas chegando a 30% ou até 50%, entretanto, o processo de extração é muito mais complicado do que nos seus vizinhos ou na Austrália, principalmente por conta da concentração de magnésio e da umidade nos locais onde está depositado.
Refletir e discutir
Saul Griffith é um inventor, empreendedor e conselheiro sobre políticas climáticas para candidatos a presidência dos Estados Unidos. Numa conferência recente sobre economia limpa, ele falou algumas coisas interessantes sobre o que é preciso para enfrentarmos a crise climática.
“A preocupante realidade é que essas coisas que existem hoje já vão emitir todos o carbono que nós temos no orçamento para os próximos 10 ou 11 anos*, pois já temos um bilhão de carros no mundo com motor de combustão interna e as pessoas não vão parar de dirigir amanhã. Eles vão emitir muito. E as minas de carvão e usinas de gás natural já existentes vão emitir muito.”
*Ele se refere à necessidade de cortarmos pelo menos pela metade a emissão de gases de efeito estufa até 2030 se quisermos ter 50% de chances de mantermos o aumento da temperatura em 1,5C.
Griffith acredita que apostar um imposto no carbono para gradualmente incentivar que se emita menos, ou confiar na adoção orgânica de novas e limpas tecnologias, não é o suficiente para lidar com o problema. Ele enfatiza a importância de governos decretarem estado de emergência e propõe olharmos para a crise como a Guerra Mundial Zero, pois é preciso uma mobilização e uma mentalidade geral semelhante a da última grande guerra.
Desastres da semana (sorry!)
Veneza ainda mais alagada do que o normal (E o conselho regional do Vêneto foi inundado minutos após votar contra medidas de controle das mudanças climáticas 🤷🏽♀)
Os já mencionados fogos da Austrália
Amenizando o clima
O término do seu namoro pode estar destruindo o planeta
Em um texto engraçadinho a escritora Sarah Lazarus argumenta há um impacto ambiental em terminar um namoro com ela, citando toda a água que será desperdiçada nos longos banhos que ela tomará chorando, o metano que será emitido pelas vacas que darão o leite dos sorvetes que ela tomará constantemente pois os filmes nos dizem que toda mulher com dor de cotovelo toma sorvete direto do pote, e por aí vai. Às vezes é possível fazer graça da crise climática.
Estranho futuro
Vodka, roupas e diamantes feitos de dióxido de carbono capturado.
Proteína não-animal produzida com gás metano ou micróbios vulcânicos.
Tchau e até semana que vem!
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