Clímax #27: Atenção: dentro deste email você encontrará más notícias. Mas fora também.
Aqui pelo menos tem bichinhos fofos no final.
Olá,
Já coloquei um alerta no título que é pra não enganar ninguém. Se o seu dia não estiver bom pode pular esta edição do Clímax. Mas talvez você não precise…
Eu passei dias sobre o texto que envio abaixo, escrevendo e rescrevendo, sentindo sempre que tinha algo que não encaixava. É muita informação negativa, uma após a outra, quem é que merece ler tudo isso de uma vez só? Fiquei na dúvida entre mandar ou não, entre adicionar assuntos mais felizes ou apagar tudo e começar do zero falando de outras tantas coisas das quais penso em falar.
Eu já disse aqui o quanto tem sido difícil para mim ser otimista e como eu acredito que otimismo é algo que criamos em comunidade. Pois hoje quando terminei de escrever de alguma forma não me senti tão negativa. Seria por saber que vocês estariam aí do outro lado? Ou porque no fundo nada dito aqui é realmente novo ou surpreendente, e saber o que esperar traz consigo uma certa paz? Não sei bem, e não posso te prometer que ao terminar de ler você vai se sentir como eu, mas aqui está o que eu tenho para oferecer agora.
Se ainda não é assinante e está gostando do que lê, por que não se inscreve?
Já seguiu o Instagram do Clímax?
Panorama: pandemia X clima
No começo, a pandemia do coronavírus chegou a criar um certa esperança de que causaria pelo menos um bom efeito, a queda das emissões globais. Passados vários meses, seguimos sem uma real perspectiva de quando isso vai acabar, mas já temos alguns dados concretos sobre o impacto da crise atual no meio ambiente. Será que ainda podemos ter alguma esperança para o ano de 2020?
As emissões de fato caíram nos últimos meses, principalmente em abril quando a queda foi de 17%. No entanto, a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera bateu um recorde em maio, a média de 417 ppm (partes por milhão). Maio costuma ser mesmo o mês do pico da concentração de CO2, mas esses são os níveis mais altos já vistos na história humana e provavelmente nos últimos 3 milhões de anos.
Outro recorde pode ser batido este ano. Ao que tudo indica, 2020 caminha para se tornar o ano mais quente já registrado batendo o atual campeão, 2016, um ano com um Super El Niño, um evento que causa aquecimento fora do comum.
O Ártico está aquecendo mais do que duas vezes mais rápido do que outras regiões do globo, batendo recorde atrás de recorde de calor nos últimos meses, culminando nos 38C do qual falei na última newsletter, com a temperatura do solo chegando a 45C. No extremo oposto, o aquecimento do pólo sul nos últimos 30 anos foi três vezes maior do que a média global.
Com a maioria dos países já em processo de reabertura, as emissões estão voltando a seu nível normal, e muito mais rápido do que o esperado por especialistas. Na metade de junho já estavam apenas 5% abaixo do mesmo mês no ano anterior. Se olharmos só para a China, em maio as emissões já superavam aquelas do mesmo mês em 2019. Estamos chegando muito perto de perder a chance de aplicar mudanças antes de uma retomada total.
“Os próximos três anos determinarão o curso dos próximos 30 anos e além.”
Fatih Birol, diretor executivo da International Energy Agency.
A Agência Internacional de Energia apresentou um plano mundial de recuperação sustentável em um relatório lançado este mês, justamente para não deixarmos essa chance passar. O plano, que foca no investimento em energias renováveis e eficiência energética, sugere que o investimento de 0,7% do PIB mundial em suas propostas levaria à um crescimento econômico de 1,1% ao ano e evitaria a emissão de 4,5 bilhões de toneladas de CO2 até 2023.
Embora muitos países já estejam prometendo uma chamada “recuperação verde” com altos investimentos em uma economia de baixo carbono, mais de meio trilhão de dólares ainda serão destinados globalmente à indústrias super poluidoras sem qualquer condicional para que diminuam suas emissões.
No meio de tudo isso, o professor Kevin Anderson e mais dois pesquisadores nos alertaram que mesmo os países com as propostas mais agressivas de corte de emissões não estão fazendo o suficiente para que possamos alcançar os objetivos do Acordo de Paris. Os planos do Reino Unido e da Suécia ainda preveem ultrapassar seu orçamento de emissões de carbono e contam com tecnologias de remoção de carbono ainda inexistentes para zerar suas emissões.
Os pesquisadores concluíram que mesmo uma transição revolucionária para tecnologias de zero carbono não será o suficiente, a esta altura um aumento de temperatura “bem abaixo de 2C” é incompatível com o nosso modelo econômico.
Orçamento de carbono?
Assim como uma verba alocada para uma determinada atividade, que vai diminuindo conforme se gasta o dinheiro, o mesmo ocorre com nossas emissões. Nós temos um orçamento global de carbono, uma quantidade limite que podemos emitir se quisermos manter o aumento da temperatura abaixo de 2C.
O IPCC quantificou o orçamento de carbono pela primeira vez em 2014 para o seu 5º relatório. Na época, a estimativa era que ainda poderíamos emitir 1 trilhão de toneladas de carbono (GtC/PgC). De acordo com o estudo mencionado acima, desde o começo de 2020 nos restavam 716 GtC.
Esses números não são exatos e nem certos, e existem cálculos divergentes. Há divergência também quanto aos métodos usados para dividir o orçamento entre países sem deixar de lado princípios de equidade.
Se não fosse o bastante, cresce entre os cientista a preocupação de que nossas previsões de piores cenários possíveis são positivas demais, o que poderia implicar nos melhores cenários não serem mais possíveis de se alcançar. Esse ajuste possivelmente necessário seria no cálculo da sensitividade climática devido a um melhor entendimento do papel das nuvens.
Sensitividade climática?
É uma medida que representa o quanto o planeta esquenta se duplicarmos a quantidade de CO2 na atmosfera em relação a números pré-revolução industrial.Por praticamente 40 anos a sensibilidade climática vinha sido considerada cerca de 3 graus Celsius. Agora, muitos dos modelos gerados por supercomputadores estão projetando 5C.
“Nuvens irão determinar o destino da humanidade”
A influência das nuvens no aquecimento do planeta é um dos fatores mais difíceis de se entender. Elas podem ter um efeito positivo ou negativo dependendo da altitude e tamanho das gotículas de água e até então o IPCC considerava que os efeitos se anulariam e os consideravam neutros. Assim, a influência das nuvens não era mensurada nos cálculos da sensibilidade climática. Mas quanto mais se descobre sobre seus efeitos, mais parece que o lado negativo prevalecerá.
Mesmo quando acertamos, erramos.
Muda a fonte de energia mas não muda o modelo, e a transição energética segue perpetuado as injustiças do nosso modelo atual. O Business and Human Rights Resource Center, analisou empresas de energia renovável pelo mundo e concluiu que nenhuma delas cumpre o seu papel de respeito aos direitos humanos. Desde 2010, foram identificadas mais de 197 denúncias de abusos relacionados a projetos de energia renovável, a maioria deles (61%) na América Latina. Os abusos incluem apropriação de terras, ameaças, assassinatos, condições de trabalho degradantes, e conflitos com povos indígenas.
Ao que tudo indica, está tudo muito ruim, está tudo muito mal - e hoje eu nem mencionei o boom de plástico que o coronavírus criou. Mas será que vai continuar assim? Será que precisa ser assim?
Ainda há uma chance da pandemia provocar tudo aquilo que se especulou quando ela começou. De nos fazer refletir sobre o que importa, para onde estamos andando e para onde queremos andar. De nos fazer ver mais claramente o que há de errado, o que não funciona, o que precisa mudar. De reavaliar, revalorizar. De se conectar com o outro, com a terra, com a natureza, mesmo que de longe, mesmo que interna. De finalmente entender a importância de uma comunidade.
É difícil acreditar que pode estar havendo uma mudança social, uma quebra de paradigmas, enquanto pessoas insistem em brigar por sua liberdade de não usar máscaras ou fazem filas para ir ao shopping olhar vitrine. Mas ainda pode acontecer, talvez ainda esteja acontecendo. Afinal, nós acabamos de ver com nossos próprios olhos uma mudança radical acontecer, talvez seja possível agora acreditar que outras podem vir e que nós podemos escolher causá-las também.
Eu quero sonhar mais um pouco. Eu acho que a gente ainda pode sonhar. Pelo menos enquanto ainda estamos em casa, enquanto estamos distantes e ainda não podemos abraçar os amigos ou visitar a família.
Ainda dá tempo de sairmos com algo bom desta situação desde que parta de nós.
Será?
O polvo dumbo é o meu novo polvo favorito.
Já no mundo das lulas, a lula morango é a minha atual preferida.
Imagens de animais marinhos me ajudam a relaxar, o ritmo deles é um incentivo a parar, respirar mais profundamente, esvaziar um pouco a cabeça como se eu flutuasse junto na água. Será que funciona para você também?
Oi Bibiana! Não desanimes! A tomada de consciência coletiva está em curso. Recentemente ofertei uma palestra sobre o plástico em uma universidade em Tóquio. Apesar de lá ser o segundo país mais consumidor de plástico por pessoa, notei nos estudantes um nível de conscientização crescente, com preocupação em relação a um futuro com menos plástico. Confesso que fiquei animada! Há esperança! :)