Clímax #26: Desigualdade energética, hype do gás e o preço do leite
Estudos, análises e relatórios.
Olá,
Ontem fez 38 graus na Sibéria, ao norte do círculo polar ártico. Nunca antes se registrou temperaturas tão altas tão ao norte do globo. Tá feia a coisa!
Mas primeiro vamos falar de coisas boas.
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“Construir sistemas de energia seguros, acessíveis, confiáveis e eficientes baseados em energia renovável possibilita atender às necessidades das populações mais pobres e ao mesmo tempo limitar o aquecimento global.” Quem disse isso foi o Papa Francisco em um documento divulgado na última quinta-feira. Ele pede pelo desinvestimento em combustíveis fósseis e promove a idéia de agricultura sustentável e economia circular. Será que era fé católica o que está faltando para mudar o planeta?
Mas não é sobre fé que eu vou falar hoje. É sobre ciência.
Fiz uma seleção de estudos recentes relacionados à crise climática para a gente conversar.
Relaxa esses ombros, sente de forma confortável e vamos lá.
Direto da academia
Vaca leiteira, emissão certeira As operações das 13 maiores produtoras de leite do mundo emitem anualmente tantos gases de efeito estufa quanto o Reino Unido inteiro, de acordo com nova análise do Institute for Agriculture and Trade Policy. Entre os anos de 2015 e 2017, as emissões dessas empresas aumentaram o equivalente a queima de 13,6 bilhões de litros de gasolina ou 6,9 milhões de carros extras em nossas estradas.
As empresas alegam que o aumento é devido à aquisições de operações menores, e que portanto não são novas, já existiam apenas estavam “no nome de outra pessoa” e por isso não haviam sido considerados em estudos anteriores.
Por um lado, a eficiência da produção dessas empresas melhorou, ou seja, a quantidade de emissões por litro de leite produzido é menor. Por outro lado, a quantidade de animais na produção cresceu de forma desproporcional. O cálculo final é de um aumento nos gases emitidos, principalmente metano proveniente - vamos ser diretos - do arroto das vacas.
A mudança do clima trará mais riscos à gravidez Pesquisadores analisaram 57 estudos dos Estados Unidos relacionando calor e poluição do ar com o resultado de mais de 32 milhões de gestações, e concluíram que a exposição à esses problemas ambientais, cada vez mais exacerbados pela mudança do clima, pode ser associada à nascimentos prematuros, mortes fetais e peso abaixo do normal em recém nascidos.
Altas temperaturas foram relacionadas à um aumento de 8.6 a 21% no risco de nascimentos prematuros.
A análise ainda aponta que mães e bebês negros correm muito mais riscos de sofrerem com esses problemas do que o resto da população. Outros grupos minorizados e mulheres com asma também estão no grupo de maior risco.
Relações entre desigualdade e meio-ambiente
Distribuição de renda e desmatamento A Indonesia e o Brasil tem muitas coisas em comum, floresta tropical, uma das maiores biodiversidades do mundo, sérios problemas de desmatamento e um programa de transferência de renda para famílias em situação de pobreza.
Desde 2008, residentes de vilas rurais em meio florestal na Indonésia começaram a participar do programa, semelhante ao nosso bolsa família. O objetivo era a diminuição da desigualdade e melhoria da qualidade de vida daquela população, mas o país acabou colhendo mais do que achava que estava plantando.
Um estudo recente concluiu que vilas expostas ao programa viram em média uma diminuição de 30% no desmatamento local, com diminuições maiores em áreas com mais beneficiários. Os pesquisadores acrescentam que dependendo da persistência dos efeitos da transferência de renda no desmatamento, o valor econômico da redução das emissões de gases de efeito estufa alcançado pode cobrir os custos do programa. É como alimentar dois coelhos com uma cenoura só (porque ninguém aqui quer matar coelhos, né?).
Imposto sobre renda como solução Enquanto isso, no Reino Unido, pesquisadores da Universidade de Leeds se perguntaram qual seria a melhor forma de financiar políticas públicas de baixo carbono, como subsídios para instalação de painéis solares, por exemplo. É muito comum ouvirmos falar de taxação de carbono, que pode ser feita de várias formas, mas que costuma ter o problema de aumentar desigualdades por colocar um peso desproporcional na população de menor renda. Quando o estudo analisou as atuais políticas do Reino Unido constatou que o custo delas, refletido em um aumento do preço de gás e eletricidade, representa 1,1% da renda do 5% das famílias mais pobres e apenas 0.18% dos 10% mais ricos.
A França conhece muito bem o problema. Os enormes protestos dos gilets jaunes (coletes amarelos) que se espalharam pelo país em 2018 foram uma reação ao presidente Macron anunciando que aumentaria os impostos para o combustível como uma medida de mitigação das mudanças climáticas. Pesou no bolso das classes mais baixas e sem mudar os hábitos de transporte das classes mais altas.
Em busca de uma solução menos desigual, os pesquisadores britânicos compararam três mecanismos de arrecadação para cobrir políticas de baixo carbono: o mecanismo atual que aloca 13% das contas de gás e eletricidade residencial para essas políticas, um mecanismo de pagamento baseado no consumo total de energia de cada família o que incluiria consumo fora de casa, e uma terceira opção que coloca o custo direto nos impostos sobre renda. A conclusão foi que a opção mais equitativa seria manter as tarifas de eletricidade e gás e adicionar o custo nos impostos sobre renda. Se usaria um sistema já existente de impostos progressivos de acordo com faixas de renda com isenção para cidadãos que não atingem uma renda mínima e que não deveriam carregar o fardo de pagar por políticas de baixo carbono.
O Que seria o consumo total de energia e porque focar só na energia residencial é desigual? Um outro estudo da mesma universidade se propôs a examinar a desigualdade no uso de energia entre pessoas pobres e ricas ao redor do mundo. Os pesquisadores queriam entender em que aspectos o consumo de energia - que inclui eletricidade, combustíveis e a energia embutida em materiais e serviços - aumenta quando a renda aumenta. Através da observação dos padrões de consumo entre diferentes segmentos da população em mais de 80 países, foi criada uma tabela para apontar as maiores diferenças na pegada de consumo energético das diferentes faixas de renda.
Transporte é a categoria de maior desigualdade. Quanto maior a renda do consumidor, mais ele consome e isso inclui a compra de carros e barcos, o uso de combustível (em sua maioria fóssil) nos veículos e também viagens, não apenas o transporte mas o pacote de turismo. Calha que essas atividades são também algumas das mais intensas em termos de gasto de energia e de emissões de carbono.
Se considerarmos apenas os pacotes de viagem, os 10% no topo consomem 76% da energia gasta e em transporte aéreo são 75%. Já em termos de combustível e operação de veículos, os 10% no topo consomem 187 vezes mais do que os 10% na base.
Por outro lado, o consumo residencial - seja de eletricidade ou gás para aquecimento ou cozinha - não varia tanto por ser um bem básico, o que quer dizer que é o tipo de bem cujo consumo não costuma diminuir mesmo se a renda diminui.
Taxar a eletricidade, aumentando seu custo para financiar políticas de baixo carbono, de forma alguma reflete a verdadeira pegada elétrica de uma família e acaba penalizando aqueles que não consomem além dos bens básicos.
Já taxar o consumo total pode ser igualitário mas não é equitativo, porque para as camadas mais pobres da sociedade o consumo de energia representa uma parcela muito grande da sua renda, e assim, o valor pago para custear políticas climáticas também se torna um fardo maior do que para as camadas mais altas.
Fonte: Anne Owen & John Barrett (2020) Reducing inequality resulting from UK low-carbon policy, Climate Policy, DOI: 10.1080/14693062.2020.1773754
No gráfico acima, do estudo sobre as opções no Reino Unido, podemos ver isso claramente. Na linha vertical temos a porcentagem da renda que os custos representam, na horizontal a faixa econômica das famílias, dos 5% mais pobres aos 5% mais ricos. Vermelho mostra o mecanismo atual, incluído na conta de eletricidade. Em amarelo o mecanismo baseado no consumo total de energia e em verde a opção no imposto por renda.
É importante observarmos essa desigualdade e nos certificarmos que não a aumentaremos, também porque…
Quanto maior a renda dos 10% mais ricos, maiores são as emissões estaduais. Pelo menos esse é o caso dos Estados Unidos de acordo com um estudo do Boston College.
Levando-se em conta dados de 2012, um aumento de apenas 1% na renda dos 10% mais afortunados da população de um estado pode levar a um aumento de até 934,174 toneladas de emissões de carbono.
Os autores ainda argumentam que esse efeito não se dá somente porque o consumismo aumenta junto com a renda, mas porque cresce também a influência política dessa camada da população que ganha com isso a habilidade de prevenir medidas governamentais de controle de emissões. Para eles o estudo sugere que além de trazer benefícios sociais, equalizar a distribuição de renda no país traria benefícios ambientais nacional e internacionalmente.
Pensando nos quatro estudos juntos, o que fica mais marcante pra mim é que uma distância tão grande entre a base e o topo da pirâmide econômica acaba aumentando os impactos ambientais de ambos os extremos, ainda que por motivos bem diferentes e em níveis também desiguais.
Piada da semana
Vendendo gás para millennials O que fez rir na internet na última semana foi a descoberta de que a indústria de gás dos Estados Unidos está pagando influencers de alcance médio para promover o uso de gás de cozinha.
No Instagram, os influencers selecionados postam videos de receitas, selfies cozinhando ou de seus pratos já prontos exaltando o “sabor especial” da comida cozinhada no gás com a hashtag #cookingwithgas. Aparentemente a campanha começou em 2018 e uma das associações de produtores de gás do país pretende gastar $300.000 nela este ano.
A matéria contando essa história surgiu apenas um mês depois da divulgação de uma análise de estudos sobre a poluição que os fogões a gás geram dentro das casas. De acordo com o relatório do Rocky Mountain Institute, a qualidade do ar interno de residências que cozinham com gás pode ficar de duas a cinco vezes pior do que o ar exterior, nível que poderia ser considerado ilegal se fosse na rua e que pode levar a doenças. As crianças são as mais afetadas, um dos estudo calculou que elas tem 42% mais chances de ter asmas se viverem uma casa com fogão a gás.
Na próxima edição eu volto com um panorama das emissões e das perspectivas climáticas e energéticas depois desses mais de três meses de pandemia. Para o pós-pandemia, voltarei um pouco na questão da desigualdade e algumas das discussões sobre como amenizá-la.
Até lá! Obrigada pela companhia.