Clímax #16: Pressão dos pares, racismo, vitórias e tweets
Olá,
Nos últimos dias dois textos muito comentados na minha bolha de internet climática me chamaram atenção. Um é sobre a possibilidade do consumo consciente individual ser capaz de influenciar multidões e o outro sobre o papel do racismo e do colonialismo na crise climática.
Começo falando sobre eles e depois parto para algumas notícias. Desta vez consegui muitos links em português ou outras línguas, então fique de olho caso você normalmente tenha dificuldade em ler minhas recomendações em inglês.
Embora não tenha horário marcado para enviar a newsletter nem haja momento correto para lê-la, eu - quem não? - estou sempre criando novos motivos para me sentir culpada. Assim, peço desculpas pelo envio tardio de hoje e por eventuais erros ou confusões. Nos primeiros minutos desta sexta-feira por besteiras tecnológicas eu perdi o texto inteiro já escrito e tive que reescrevê-lo após o trabalho.
E mas antes que eu me esqueça, caso alguém tenha te encaminhado este email inscreva-se abaixo para receber as próximas edições.
Discussões
Influenciando a salvação do planeta
Um artigo recente no The Washington Post reacendeu o velho debate sobre os benefícios e os limites das mudanças individuais e do consumo consciente. Nele, Robert H. Frank, fala sobre o tema do seu livro recém lançado, Under the Influence: Putting Peer Pressure to Work (algo como: Sob influência: fazendo uso da pressão dos pares).
O autor compila o resultado de diversas pesquisas para mostrar o poder de influência que nossas ações tem naqueles ao nosso redor, a tal pressão dos pares, dando ênfase à ações de consumo consciente. Ele argumenta que, embora muitos ativistas e economistas acreditem que as mudanças individuais são inúteis e às vezes até contra-produtivas, na verdade elas podem sim se transformar em uma bola de neve de influência positiva no comportamento dos outros, se tornando assim relevante.
Robert menciona, por exemplo, uma pesquisa que constatou que as pessoas tem 12% mais chances de comprar um carro novo em um dia se algum dos seus 10 vizinhos mais próximos comprou um nos últimos 10 dias.
Em seguida ele fala sobre o “status de sinal ambientalista” que faz algumas pessoas darem preferência à carros elétricos ou híbridos com uma estética bem específica, que torne visível de longe a sua consciência ambiental. E juntando os dois dados ele chega a conclusão que eles explicam o crescimento da venda de carros mais ecológicos nos Estados Unidos.
A ideia do autor era nos trazer uma boa notícia, nos dizendo que podemos influenciar os outros a consumirem de forma mais consciente, mas eu achei foi aterrorizante. O que ficou na minha cabeça é que o consumo é contagiante. Ainda que isso não seja uma grande novidade. Eu não quero influenciar ninguém a consumir, nem quer seja um produto um pouco melhor para o planeta. Na minha opinião Robert falhou aí, focou na influência de consumo e não na influência em não consumir.
Será que esse truque psicológico vai funcionar da mesma forma se os meus vizinhos me virem pegar o ônibus pro trabalho, por exemplo? Será que se os seus 10 vizinhos mais próximos não comprarem novos carros por 10 anos a probabilidade de você não comprar também cresce?
De qualquer forma, eu acredito que as mudanças individuais tem seu mérito. Elas servem para iniciar diálogos e podem mudar opiniões principalmente daqueles mais próximos. E mais do que isso, elas nos dão força tanto individualmente, ao nos mostrar que temos escolhas e que somos mais fortes do que supostos padrões humanos, como coletivamente, pois inspira comprometimento e porque nada conecta mais do que passar por uma mudança juntos.
Você já tentou mudar algo no seu estilo de vida por causa da crise climática? Ou acha que não vale a pena?
Existe solução para a crise climática que não considere sistemas de exploração históricos?
Outro texto que foi muito comentado e compartilhado na internet climática nos últimos dias foi o Climate Denial by Any Other Name da Mary Heglar, e olha que legal, ele foi traduzido para o português como Uma Outra Negação Climática.
Nele a autora se queixa de mesmo entre colegas de luta climática, ter que sempre defender a vinculação da crise climática com o racismo. Mary foca no racismo do seu ponto de vista como mulher negra, mas na verdade ela está falando de justiça social de forma ampla, de desigualdades e minorias de todos os tipos. Para muitos, ela diz, a crise é uma questão puramente cientifica e que de forma cientifica deve ser lidada. Há uma crença de que se misturarmos essas outras pautas alienaremos aliados em potencial.
Mas que tipo de aliados seriam esses?
Não vou detalhar o texto aqui já que dessa vez temos uma versão em português, pois vocês vão lê-lo na íntregra, não vão?
Mas adianto o seguinte, será que é possível ou correto desvincularmos as mudanças climáticas das estruturas sociais que permitiram que elas se criassem?
A economia extrativista na qual vivemos, que vê a natureza apenas como recurso, criando assim a crise atual, só pôde se desenvolver e atingir grande escala porque sempre havia um outro à quem explorar. As atividades da qual dependem nunca foram exercidas por aqueles que lucram com elas. Por exemplo, se não tivesse havido escravidão teríamos criado plantações de monocultura em grande escala que seguem danificando os nossos solos e desmatando nossas florestas?
Para quem lê em inglês ou francês e quer continuar a reflexão, eu sugiro o texto Colonialism, The Hidden Cause Of Our Environmental Crisis (Aux origines coloniales de la crise écologique no original francês), uma boa introdução a conexão entre colonialismo e crise climática.
Em um artigo um pouco desajustado chamado Brazil Is Cracking Down on Climate Migrants While Worsening the Climate Crisis, com uma daquelas introduções sobre o Brasil pra gringo ver, o autor encontra um ponto interessante ao falar sobre como a mudança do clima deve piorar a seca no Nordeste, criando novas grandes ondas de migração para as grandes cidades do Sudeste e repetindo o passado desses migrantes climáticos, confinando-os em favelas. Ele ainda tenta conectar isso ao similar desprezo do atual governo à pauta do clima e à violência nessas comunidades.
Climão da semana
Carro próprio x aplicativos, quem emite mais? Vender o seu carro e substituir o uso que fazia dele pelo uso de aplicativos de transporte não ajuda o meio ambiente. Uma pesquisa da Union of Concerned Scientists, calculou que na média as viagens em carros de aplicativo produzem 69% mais emissões do que as viagens que eles substituem. Isso porque as pessoas não deixam apenas de dirigir, mas também trocam caminhadas, pedaladas e o transporte público pela facilidade de chamar um motorista. Se compararmos apenas as emissões de carros particulares com dos apps a diferença ainda é de 50% devido ao tempo que os motoristas ficam rodando sem passageiros. (Alguns desses dados em versão espanhol)
1/4 dos tweets sobre o clima não são humanos mas sim produzidos por bots - softwares programados para agir de forma autônoma na internet fazendo-se passar por humanos. Assim concluiu uma análise de milhões de tweets nos Estados Unidos. É claro que a maioria não é pró-causa climática mas sim busca disseminar discursos negacionistas. Sabemos que não faltam bots lusófonos, será que eles também estão falando de clima por aqui?
As florestas da Austrália perderam 20% de sua área nesta temporada de incêndios que ainda não terminou. Essa proporção de perda nunca foi vista em nenhum lugar do mundo de acordo com cientistas responsáveis pela pesquisa publicada na revista Nature Climate Change.
Boas Notícias
Vitória no sul A justiça determinou a suspensão imediata do processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba até que se analise corretamente o impacto na população indígena local. O projeto, que mencionei no Clímax #4 e #8, criaria a maior mina a céu aberto da América Latina nos arredores de Porto Alegre, com potencial de emissão de 4,5Gt de CO2, equivalente a 10% das emissões globais em um ano.
Vitória no norte A empresa Teck retirou o seu pedido para explorar quase 300km2 de areias betuminosas (ou petrolíficas) no Canadá, surpreendendo negativamente o governo da província cuja economia depende extração de combustíveis fósseis. O motivo foi, de acordo com o CEO, as mudanças no mercado de capitais global. Mas a situação no país provavelmente foi de grande influência. O Canadá tem visto cada vez mais protestos por questões ambientais, em sua maioria liderados por seus povos indígenas, principalmente depois que a polícia invadiu a terra dos Wet'suwet'en e uma campanha de apoio à esse povo viralizou globalmente. (O que são areias betuminosas?)
Expansão de aeroporto considerada ilegal Já em Londres, local de origem do movimento Extinction Rebellion, o novo motivo de comemoração foi a decisão em segunda instância da justiça que considerou ilegal a construção de uma terceira pista no aeroporto Heathrow por não levar em consideração os compromissos de redução de emissões do país. A expansão planejada adicionaria 700 aviões diários a um dos aeroportos mais movimentados do mundo, e garantir que ela não acontecesse era uma das bandeiras do movimento que promove a resistência não-violenta. A decisão judicial é a primeira no mundo a vincular a política interna ao Acordo de Paris e, com sorte, veremos isso acontecer em outros lugares.
*Devo lembrar que todas essas são apenas batalhas vencidas em uma longa guerra. Não há nenhuma garantia de que esses projetos não acabarão sendo construídos.
Leitura extra
A Folha de São Paulo traduziu uma matéria bacaninha do New York Times sobre o que acontece com todo o material físico das campanhas políticas nos EUA após as eleições. Camisetas, bonés, placas, etc, tudo se torna inútil depois que os votos computados e às vezes vão parar no corpo de crianças na África.
Obrigada pela leitura e até semana que vem.
Todas as edições do Clímax ficam disponíveis no link abaixo.
Tchau!