Olá,
Chegue mais para a última newsletter do ano.
Acho que estamos todos precisando de umas férias e eu vou me esforçar para sair do ar por um tempo, mas em janeiro nos reencontramos. Vocês já sabem como as coisas funcionam por aqui, sem data marcada, com calma, sem produzir por produzir.
Se você não estava aqui desde o começo desta newsletter que completou um ano de existência no começo do mês 🥳, e quer ler mais um pouco enquanto estou de férias, no final do e-mail eu recomendo algumas das edições atemporais do Clímax. Para quem acha que vai sentir minha falta, tem também indicação de um podcast e um evento que participarei no mês que vem.
Vocês me perdoam se eu disser que mais uma vez o texto que prometi na última newsletter não coube aqui? Pois está dito. O papo sobre os resíduos da construção civil foi adiado mais uma vez.
Nos vemos no novo ano. Tomara que sejamos melhores.
Eu quero começar a edição com algumas frases que li recentemente e não saem da minha cabeça.
“No centro do problema está uma necessidade enraizada nos humanos de acender a noite. De certa forma, nós ainda temos medo do escuro. A habilidade de transformar a noite em algo parecido com o dia é algo que temos perseguido para além da sua necessidade”.
Eu li essa frase, dita pelo professor Kevin Gaston, em uma matéria que compara os impactos da iluminação artificial do planeta com a crise climática, ressaltando a importância de encararmos o excesso de luz como um tipo de poluição. Essa nossa mania de iluminar a noite já afeta o comportamento de muitas espécies, além de seus ciclos de sono e de reprodução.
É uma ideia simples, mas de tempos em tempos a frase volta na minha cabeça e desperta uma reflexão diferente. É claro que não é sobre o problema da luz em si que penso, mas sim em como esse é apenas um exemplo da nossa insistência em exagerar nossas necessidades, em transformar conquistas em algo tão normal que não pode ser contestado mesmo quando afeta todo o resto ao nosso redor.
“O Universo não é perfeito, e é por isso que você existe.”
“Tudo o que você já comeu ou bebeu, cada movimento que você já fez, toda a beleza que você já viu existe por causa de uma estrela medíocre em uma galáxia nada excepcional.”
Essas frases são do belo artigo A Thanksgiving Meditation in the Face of a Changing Climate da cientista Kate Marvel, e acho que dispensam explicação.
Inclusão de última hora: foi divulgado hoje o balanço anual do desmatamento na Amazônia Legal, com a taxa mais alta em 12 anos. Leiam a boa análise do O Eco.
O Amapá, o descaso e vulnerabilidade do sistema energético
Tenho certeza de que não preciso te contar o que houve no Amapá. Tenho certeza que você se horrorizou e se indignou como eu com os mais de 20 dias de apagão.
Caso você estivesse dando um tempo de tudo – o que é muito justo –, ou queira ler uma visão ampla do assunto, recomendo esta análise.
Essa tragédia nos conta várias histórias. Dos perigos da privatização ao descaso com as regiões mais distantes não só do centro político e econômico do país, mas também do imaginário da população desses lugares.
Ela também evidencia a importância da eletricidade e o fato de que tudo o que fazemos hoje depende dela. Pode parecer óbvio, mas não é. Nós vemos a eletricidade como uma coisa garantida, quase natural, e raramente nos perguntamos de onde ela vem, como chega até nós e o que acontece se ela não estiver disponível. É essa mesma mentalidade que nos leva a exagerar o uso da iluminação, um problema que mencionei mais acima.
Sem energia tudo estraga, de comida a medicamento. Sem energia não teve eleição. Sem energia não teve água. Sem energia no meio de uma pandemia se pega mais doença. Com energia que vai e volta, casas pegaram fogo.
Nos aprofundar nessa história significa olhar de frente para o nosso sistema energético e entender suas vulnerabilidades. É claro que existe um descaso especial com o Amapá, porém, todas as regiões têm ou virão a ter vulnerabilidades e a crise climática, como sempre, terá o seu papel.
De um lado, temos a mitigação da crise, que depende da eletrificação das nossas tecnologias – de aquecedores à carros – e da transição da matriz energética para fontes renováveis. Essa transição precisa incluir uma reestruturação do sistema, levando em conta riscos climáticos. Pois assim como o modo com o qual obtemos energia impacta o clima, o clima também impacta o modo com o qual obtemos energia.
Por exemplo, hidroelétricas são uma fonte renovável de energia e a construção delas é prevista em vários planos de mitigação pelo mundo, mas mudanças no clima, como secas prolongadas, afetam diretamente a produção energética das usinas. Menos volume de água produz menos energia.
Linhas de transmissão e transformadores também correm e oferecem riscos. No início do caos no Amapá, a empresa responsável pelo blecaute alegou que o transformador havia queimado por conta de um relâmpago. Nesse caso, não era verdade, mas eventos climáticos podem causar situações parecidas quando há descuido, falta de planejamento de controle de riscos e de uma correta manutenção do equipamento. E podem também começar outros desastres.
Na Califórnia, a empresa de eletricidade PG&E pode ter sido responsável por começar mais de 1500 incêndios em seis anos. Em junho, se declarou culpada em um processo por homicídio culposo das 84 vítimas do incêndio na cidade de Paradise em 2018. Já nos incêndios deste ano, 360.000 pessoas chegaram a ficar sem energia em casa pois a mesma empresa não conseguia garantir que seu equipamento não iria iniciar outros fogos e, assim, preferiu simplesmente desligar a transmissão. O fator climático aqui mais uma vez é a seca e também fortes ventos, mas é o fator humano que mais importa, a negligência.
O que isso nos mostra é que a transição energética é apenas uma das mudanças que precisamos nos nossos sistemas de energia e que precisamos usar essa oportunidade para modernizar nossa infraestrutura, para garantir o gerenciamento de riscos, a manutenção e atualização correta dos equipamentos, e para criar mecanismos de fiscalização e responsabilização das empresas de energia, sejam elas privadas ou estatais.
A sobreposição de desastres não será exclusividade de 2020
No ano passado vimos a costa leste da África, com destaque para Moçambique, ser atingida por dois ciclones em menos de dois meses, Idai e Kenneth. Em 2020, tivemos novos exemplos de desastres consecutivos devastando regiões.
Na Ásia, Filipinas já foi atingida por mais de 20 tufões. Um deles, o super tufão Goni, foi o ciclone tropical mais forte já registrado. Se não bastasse, menos de 15 dias depois, o tufão Vamco (ou Ulysses) também alcançou o país causando ainda mais estragos. Foram 5 ciclones tropicais em 3 semanas.
A América Central, principalmente Nicarágua e Honduras, foi atingida duas vezes em duas semanas este mês, pelos furacões Eta e Iota.
No total, o Atlântico viu um recorde de 30 ciclones neste ano e embora a temporada já devesse ter acabado, os meteorologistas temem que ainda poderemos ver mais até o final do ano.
Um estudo recente aponta que o aquecimento do planeta influencia o impacto desses eventos, pois o comportamento de furacões mudou nos últimos 50 anos. Se antes eles se enfraqueciam ao alcançar a costa, hoje, com oceanos mais aquecidos, a perda de intensidade é menor, eles duram mais tempo e percorrem distância maiores no continente.
Tudo isso, é claro, acontece enquanto o mundo inteiro tenta controlar o COVID-19.
O relatório “World Disasters Report 2020: Come Heat or High Water” da Cruz Vermelha aponta que nos primeiros seis meses da pandemia mais de 100 desastres ocorreram pelo mundo — como desastres considerou-se incidentes com mais de 10 mortes ou mais de 100 pessoas afetadas. Esses desastres afetaram mais de 50 milhões de pessoas, das quais 99% em desastres relacionados ao clima.
Os ciclones, embora mais visíveis, nem sempre são o maior dos problemas. De acordo com o mesmo relatório, em 2019, o desastre climático mais mortal foi a onda de calor em julho na Europa, que provocou a morte de 2.241 pessoas. No ano inteiro, entre todos os desastres, o calor extremo só não matou mais do que o surto de doenças (como o de sarampo na República Democrática do Congo) que não é um evento climático, mas pode ser agravado pelo aquecimento do planeta.
Extra: Desastres naturais no mundo quase dobram em 20 anos – Projeto Colabora
A criatividade não é neutra: o reconhecimento do papel da publicidade na crise climática começou.
Na semana passada foi lançada a campanha Clean Creatives, que faz um apelo para que agências de publicidade, relações públicas e profissionais criativos parem de trabalhar para a indústria de combustíveis fósseis.
O Modefica explica porque isso é importante, descrevendo algumas das táticas dessas empresas na matéria Por Que Essas Empresas Gastam Milhões Para Te Convencer Que Não Existe Crise Climática.
O escritor e ativista Bill McKibben também escreveu sobre o assunto e como essas campanhas de greenwashing confundem a população e atrasam a ação para controlar a crise climática no artigo When “Creatives” Turn Destructive: Image-Makers and the Climate Crisis.
No meio disso tudo surgiu o Greentrolling, a resposta ao greenwashing dos combustíveis fósseis nas redes sociais, a nova arena para suas campanhas de enganação. O nome brinca com a ideia do trol de internet que, pela definição da Wikipedia, é uma pessoa cujo comportamento tende sistematicamente a desestabilizar uma discussão e a provocar e enfurecer as pessoas nela envolvidas. A ideia é encher o saco das empresas toda vez que tentam posar de defensoras do meio ambiente nas redes. Um exemplo foi a reação à um tweet da Shell no começo do mês que perguntava o que nós estaríamos dispostos a fazer para ajudar na redução de emissões e que virou piada no mundo inteiro.
No entanto, a publicidade de combustíveis fósseis não é o único problema. O relatório “Advertising’s role in climate and ecological destruction. What does the scientific research have to say?” (O papel da propaganda na destruição ecológica e climática. O que a pesquisa cientifica tem a dizer?) sugere que existem evidências empíricas suficientes para se concluir que a indústria da propaganda contribui indiretamente com a degradação ecológica através do incentivo a objetivos e valores materialistas.
O material, produzido pelo thinkthank New Weather Institute e pela organização Possible, sugere ainda que a propaganda nos leva a trabalhar por mais tempo para poder consumir mais. Do relatório veio a campanha Badvertising que quer chamar atenção para o problema e mudar o panorama.
Afinal, o que a propaganda traz de positivo para nós, consumidores? Será que precisamos mesmo dela?
Eu já comentei por aqui que na minha visão de um futuro positivo não cabem propagandas, e já falei lá no Instagram sobre a necessidade de repensarmos o lugar da propaganda na nossa vida e nos nossos espaços.
A influência da publicidade muitas vezes pode trazer impactos positivos em algumas áreas, inclusive incentivando mudanças de hábitos e comportamentos mais sustentáveis, ou promovendo a diversidade, por exemplo. Mas nunca sem promover também o consumismo, então será que o saldo final pode ser positivo? Uma propaganda de Coca-Cola, mesmo que te diga para votar, compostar, voar menos, plantar árvores e respeitar todas as raças, continua te vendendo mais Coca-Cola e te dizendo que consumir é legal.
Esses questionamentos não estão passando desapercebidos pela indústria. O movimento Purpuse Disruptors, por exemplo, é organizado por profissionais da área com o objetivo de repensar a indústria para alinhá-la com as metas de controle da crise climática. Há ainda quem se preocupe com a pegada de carbono das atividades publicitárias, como a inciativa Ad Net Zero, na qual empresas do setor no Reino Unido se comprometem em diminuir o seu consumo de carbono.
Unesco Futures Literacy Summit 2020
Vocês sabem o quanto eu acho importante que todo mundo tenha a capacidade e a disposição para imaginar diferentes futuros. Nos dias 8 a 12 de dezembro a UNESCO realizará um grande evento sobre o assunto para promover e debater a “alfabetização em futuros”.
Os cinco dias de evento contarão com diversas palestras, mesas-redondas, workshops, etc., de graça e em várias línguas. Eu recomendo demais que você dê uma olhada. O programa completo ainda não saiu mas em breve estará disponível no site oficial.
Eu estarei por lá no dia 11/12 em algumas mesas promovidas pela Envisioning, cujo programa (incrível!) você encontra aqui. Me encontre nos seguintes momentos:
13h00 Mesa Redonda | Para onde iremos? Justiça Climática e Deslocamentos (português)
17h00 Round Table | The Future of Death (inglês) – Esta mesa, que eu organizei com a Caroline Barrueco, pode parecer um pouco deslocada do tema climático, mas tanto a morte, quanto o clima se relacionam com todos os assuntos que pudermos pensar. Em breve teremos um Clímax só sobre isso.
22h00 Masterclass | Como o presente Chinês representa o futuro da América Latina (português) – Nesta masterclass, que será uma experiência imersiva em várias cidades da China, eu mostrarei um lado meu que provavelmente a maioria de vocês não conhece. Tenho um diploma em língua e cultura chinesa e morei no país por quatro anos.
Não precisa ficar com saudades
Quer ler mais Clímax ainda em 2020? Aproveite as edições atemporais da newsletter:
Clímax #6 - Especial: voar ou não voar?
Clímax #12- Especial: Filhos no apocalipse
Clímax #28: Futuro? Que futuro?
Clímax #30: Do que falamos quando falamos em consumo?
Já ouviu minha conversa com a Cristal Muniz do Uma Vida Sem Lixo no seu novo podcast Planeta A?
Até mais!
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